História de duas (ou três) irmãs
Ambientado no interior alentejano, "SOL CORTANTE" é o primeiro filme de Clara e Laura Laperrousaz a estrear-se comercialmente e contrasta um cenário de férias pacato com uma tragédia familiar. Uma bela revelação, tanto pelas realizadoras como pelos actores.
Filhas do documentarista francês Jérôme Laperrousaz, Clara e Laura Laperrousaz já contam com uma curta e uma longa no seu percurso atrás das câmaras, mas cabe a "SOL CORTANTE" ser o cartão de visita oficial das duas parisienses que também assinam o argumento do filme. E é bem auspiciosa, esta aposta produzida pela Alfama Films, de Paulo Branco, que sabe tirar partido dos cenários luminosos de Serpa para ir revelando os traumas de uma família luso-descendente (o pai é português, a mãe e as duas pequenas filhas são francesas).
Se no arranque parece ficar a promessa de umas férias de Verão serenas e convidativas, a dupla de realizadoras não demora muito a conjugar a atmosfera soalheira com um tom melancólico, à medida que dá conta de um episódio trágico ocorrido na localidade alentejana alguns anos antes deste regresso do casal protagonista.
Ao acompanhar como uma morte abala e altera a dinâmica familiar, "SOL CORTANTE" vai-se insinuando como um filme sobre o luto com uma respiração e envolvência particulares, seja pela belíssima fotografia de Vasco Viana, marcada por um contraponto recorrente de luz e sombra, ou pelo modo como um evento trágico é encarado e ultrapassado (ou nem por isso) tanto pelas crianças como pelos adultos.
Durante boa parte do tempo, o filme gere esta tensão de forma contida, sem resvalar para facilitismos melodramáticos, e a sobriedade da escrita e realização é muito bem defendida pelo elenco, tanto pelos adultos como pelas crianças. E se Ana Girardot e Clément Roussier encarnam um jovem casal credível e comovente, as pequenas gémeas Océane e Margaux Le Caoussin são especialmente impressionantes quando se entregam a cenas de uma intensidade dramática considerável, numa conjugação difícil de ingenuidade, candura e mágoa.
Através do olhar das duas meninas, as irmãs Laperrousaz chegam a sugerir aproximações (conseguidas) ao realismo mágico, e poucas vezes o Alentejo terá sido filmado de forma tão encantatória e sensorial (mesmo que por vezes quase escorregue para o postal turístico). Mas a energia visual nem sempre tem correspondência no argumento, que na recta final vai perdendo alguma desenvoltura à medida que acumula ameaças e insiste numa reflexão sobre a culpa, a frustração e o perdão.
Essa redundância, e uma banda sonora ocasionalmente intrusiva, vão diluindo parte do impacto emocional, embora não comprometam a força das personagens e interpretações nem o apelo que "SOL CORTANTE" consegue irradiar como um todo. Apesar dos desequilíbrios, de resto expectáveis numa (quase) primeira obra, há aqui um universo íntimo que merece muito ser descoberto.
3/5