Queer Lisboa: cinco filmes para deixar o quarto arrumado e sair para as noites bravas
Entre "Diamantino" e "Bixa Travesty" vão passar pelo Cinema São Jorge e pela Cinemateca mais de 100 filmes, a partir desta sexta-feira e até dia 22, em mais uma edição do QUEER LISBOA. No 22º ano, o Festival Internacional de Cinema Queer tem o VIH/SIDA ou as migrações entre os temas principais, dedicando uma nova secção ao primeiro (o vírus-cinema) e tendo a crise dos refugiados bem presente em várias apostas de curtas e longas-metragens ou documentários.
De regresso estão também as secções Queer Art, Hard Nights ou Queer Pop, esta última a destacar Janelle Monáe, The Knife/Fever Ray e o Festival da Eurovisão. George Michael também vai ser relembrado, numa secção centrada na moda, com o documentário "George Michael: Freedom - Director's Cut", assinado pelo próprio e por David Austin, e ainda haverá música fora da sala nas festas em espaços como o Titanic Sur Mer ou o Corvo (algumas de entrada livre).
O muito falado "Diamantino", de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, filme português aplaudido no circuito internacional dos festivais (e que conta com Cristiano Ronaldo entre as maiores inspirações) tem honras de abertura, esta sexta-feira, às 22h00, no Cinema São Jorge. O encerramento fica a cargo de "Bixa Travesty", documentário de Claudia Priscilla e Kiko Goifman sobre a cantora trans Linn da Quebrada, um dos nomes em ascensão do funk brasileiro recente - e do activismo LGBTQ+ de São Paulo e arredores.
Pelo meio, não faltam títulos de mais de 30 países que prometem desafiar formatos e sensibilidades - e que estão longe de se esgotar no mote boy meets boy ou girl meets girl, mais dominante noutros tempos. Estes cinco, por exemplo, podem ser um bom ponto de partida:
"GIRL", de Lukas Dhont: A estreia do realizador belga nas longas-metragens, depois de experiências nas curtas ou no documentário, tem tido um percurso invejável em festivais, com destaque para os quatro prémios arrecadados na edição deste ano de Cannes. Mas além da realização, muitos elogios dirigem-se à jovem actriz Victor Polster, na pele de uma adolescente transgénero que sonha ser bailarina profissional. Se a premissa, a juntar um relato coming of age a uma história de superação da adversidade, poderá parecer demasiado reconhecível, não falta quem garanta que este drama contido é capaz de se desviar para territórios inesperados, tanto a nível narrativo como emocional. É bem capaz de estar aqui uma forte candidata a Melhor Longa-Metragem deste ano.
"MARILYN", de Martín Rodríguez Redondo: Os relatos de homofobia, sobretudo tendo uma pequena comunidade como palco, estão longe de ser uma novidade no festival e, por extensão, no cinema queer. Mas isso não demoveu o realizador argentino, cuja primeira longa-metragem foi uma das surpresas da programação de Berlim este ano ao acompanhar o quotidiano de um rapaz que trabalha numa quinta - e que só sente estar confortável na sua pele ao sair da casa da família para os festejos do Carnaval. A forma como o filme se esquiva à vitimização e o desempenho do actor principal, a revelação Walter Rodríguez, têm estado entre os motivos para não deixar passar uma das obras em competição no Queer Lisboa.
"NOITES BRAVAS", de Cyril Collard: Embora "Kids", de Larry Lark, seja à partida o filme mais sonante da secção inédita dedicada ao VIH/SIDA no cinema, vale muito a pena (re)descobrir uma das obras mais promissoras de início dos anos 90. E também das mais frustrantes, uma vez que foi a primeira e última longa-metragem do realizador, actor, escritor e músico Cyril Collard, que morreu em 1993 (um ano depois da estreia), vítima de HIV. O vírus contamina também este drama urbano e nocturno protagonizado pelo próprio realizador e no qual será difícil não encontrar traços autobiográficos, num retrato implacável da solidão e de uma sexualidade avessa a rótulos. Algo esquecido, o filme ainda vai continuando a ter eco, pelo menos em alguns círculos - antes de ser repescado nesta edição do Queer Lisboa, foi a maior inspiração para uma das melhores bandas francesas recentes.
"ROOM FOR A MAN", de Anthony Chidiac: O novo documentário do jovem realizador libanês surgiu como resposta ao retrato estereotipado dos homossexuais, apontado como o predominante no seu país. E Chidiac parte da remodelação do seu próprio quarto, num apartamento de Beirute, para uma reflexão sobre a identidade e a masculinidade que procura um olhar realista. "Não lhe coloco o rótulo de filme gay. A discriminação pode afectar todos, incluindo sírios, refugiados e muitos mais. É para todos os que estejam a lidar com a discriminação na sociedade", assinalou quando passou pelo Malmö Arab Film Festival, festival árabe decorrido na Suécia. E deixou a porta aberta a quem quiser entrar no seu dia-a-dia, contado na primeira pessoa.
"SAUVAGE", de Camille Vidal-Naquet: De "Não Dou Beijos", de André Téchiné, a "Garçon Stupide", de Lionel Baier, já vão sendo alguns os filmes sobre prostitutos que passaram pelo Queer Lisboa em mais de 20 anos. Mas ainda há variações possíveis, como parece ser o caso deste drama aclamado na edição mais recente de Cannes, que segue os serviços e outros encontros de um rapaz de 22 anos. Protagonizado por Félix Maritaud, visto recentemente em "120 Batimentos por Minuto", de Robin Campillo, ou "Un couteau dans le coeur", de Yann Gonzalez, a primeira longa-metragem de Camille Vidal-Naquet tem gerado fascínio pela combinação de crueza dramática e efeito sensorial, sem se esgotar no desespero. E ajuda a sugerir que a secção competitiva do Queer Lisboa é especialmente promissora este ano.