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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O romance morreu, viva o romance!

Ex Re

 

"Romance is dead and done", garante Elena Tonra na primeira canção do seu projecto a solo EX:RE, depois de ter dado voz aos Daughter desde inícios da década. Com o grupo a passar por um hiato (embora com regresso assegurado), a britânica aproveita para editar o seu álbum de estreia em nome próprio, do qual "ROMANCE" é a faixa homónima.

 

Como o título e a citação acima insinuam, o disco partiu do final de um relacionamento amoroso. Mas ao contrário de outros álbuns assentes nessa temática, a cantautora está pouco interessada em esmiuçar a relação, optando por relatar como lidou com um dia a dia mais solitário desde a separação.

 

Canções (ou capítulos) como "Liar", "Too Sad", "I Can't Keep You" ou "5AM" não prometem uma crónica especialmente animadora, embora até se ouça mais candura do que azedume no primeiro single. "ROMANCE" também sugere que, apesar de se aventurar a solo, Elena Tonra está bem acompanhada pelo produtor Fabian Prynn e pela violoncelista Josephine Stephenson. As cordas, no entanto, são uma presença discreta nesta primeira amostra, cedendo o protagonismo a ondulações electrónicas, percussão e piano, num belo exemplo de pop confessional e catártica, mas ainda assim delicada - a meio caminho entre os universos dos Braids e de Bat For Lashes.

 

Uma história para continuar a acompanhar já a partir desta sexta-feira, data da edição do álbum, através da 4AD. E a prometer várias deambulações nocturnas, como a de um videoclip que aponta a pista de dança como refúgio:

 

As mecânicas da transgressão, 20 anos depois

Mechanical Animals

Duas décadas passadas sobre a edição e a controvérsia, a capa do terceiro álbum dos MARILYN MANSON dificilmente chocará alguém. Mas se esta música nunca foi tão transgressora como a imagem, as canções de "MECHANICAL ANIMALS" não perderam o apelo, naquele que ainda é o álbum mais fulgurante da banda.

É um homem? É uma mulher? É um alien? Dois anos após ter sido o anticristo mais popular do rock da década de 90, Brian Warner (cujo ater ego deu nome ao grupo) conseguiu não só reinventar-se como chocar ainda mais famílias, comunidades, imprensa e até mesmo fãs - muitos a alinhar de braços abertos no imaginário de subversão religiosa mas nem todos preparados para uma viragem tão desconcertante e (trans)sexualizada.

Editado em Setembro de 1998, "MECHANICAL ANIMALS", o terceiro álbum dos MARILYN MANSON, foi mais um portento capaz de alimentar mitos urbanos, desde logo a partir da imagem andrógina do vocalista. Não faltou até quem garantisse que a mudança era resultado de uma cirurgia plástica, um dos vários rumores (alguns bem macabros) que alimentaram o culto e cimentaram o estatuto de lenda viva de Warner.

Marilyn Manson 1998

Mas a operação cosmética teve, afinal, muito pouco de esotérico e foi antes resultado de uma estratégia desenhada ao pormenor para se disseminar num clima de tensão fim de milénio, assente num imaginário com tanto de futurista como de satírico - e apontado aos excessos e frivolidade da fama ou da alienação através do entretenimento desregrado. Foi, claro, uma visão de futuro com raízes no passado - e influências assumidas da escola de glam de David Bowie, T. Rex ou Queen -, embora com um update inegavelmente pessoal e muito do seu tempo.

Capítulo intermédio de uma trilogia que tinha arrancado com "Antichrist Superstar" (1996) e terminaria em "Holy Wood" (2000), "MECHANICAL ANIMALS" é facilmente o mais coeso e versátil dos três e também de toda a discografia do grupo. E a capacidade de transfiguração e captação de atenções de Warner nunca viria a ter uma fase tão apoteótica, com os álbuns seguintes a alternarem entre variações do que se viu e ouviu nos dos anos 90.

Se o afastamento de Trent Reznor da produção, depois de um papel essencial nos discos anteriores, foi muito falado na altura, a banda teve aqui o aconselhamento de Billy Corgan - também ele a optar pelo reforço electrónico no mesmo ano, com o muito diferente "Adore" - e chamou para a produção Michael Beinhorn, decisivo para uma sonoridade mais polida, orelhuda e, sim, pop - tendência que o produtor encorajou ainda em "Celebrity Skin", dos Hole, outro dos álbuns obrigatórios de 1998 e também com o mentor dos Smashing Pumpkins entre os cúmplices.

Mechanical Animals inlay

Os singles "The Dope Show" e sobretudo "I Don't Like the Drugs (But the Drugs Like Me)", acesso funk/gospel irresistível, mostraram uns MARILYN MANSON mais directos e imediatos do que nunca, prontos a propagarem-se por toda a geração MTV em vez de continuarem a insistir no nicho industrial/gótico. Brian Warner confessou-se entediado com essa agressividade fechada em si mesma e atirou-se de cabeça à excentricidade, teatralidade e exuberância, num alinhamento mais ambicioso do que os de discos anteriores.

O tom épico e pós-apocalíptico de "Great Big White World" dá o mote para um álbum onde cabe a desolação inesperada de "Disassociative" e "The Speed of Pain", a explosão em forma de hino de "Rock Is Dead", "Posthuman" e "New Model No. 15", a penumbra synthpop da excelente "The Last Day on Earth" ou a marcha fúnebre de "Coma White" (esta a provar que o videoclip foi das ferramentas-chave da fase inicial do grupo, partindo aqui da visão trágica de uma certa família norte-americana).

"User Friendly" aplicou o cinismo que percorre o disco aos relacionamentos ("I'm not in love, but I'm gonna fuck you 'til / somebody better comes along"), noutra conjugação aliciante de guitarras e sintetizadores, e "Fundamentally Loathsome" aprofundou o lado crooner de Brian Warner, num dos desvios mais contidos e surpreendentes.

Do conjunto, com uma lógica de álbum conceptual, sai a crónica rocambolesca de uma estrela rock alienígena, toxicodependente e sexualmente ambígua - qualquer semelhança com Ziggy Stardust não será pura coincidência - , que chega à Terra para se juntar à banda Mechanical Animals. Se o relato é quase sempre decadente, a polémica e popularidade geraram o último grande triunfo da história dos MARILYN MANSON - e um dos últimos grandes álbuns de rock dos anos 90, apesar de às vezes sufocado pelo ruído à sua volta.

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