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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O que foi não volta a ser (?)

Dois dos melhores filmes em cartaz chegam da Alemanha: "EM TRÂNSITO" e "NUNCA DEIXES DE OLHAR". Já "ADAM & EVELYN" esteve entre os bons motivos para passar pela 16ª edição da KINO - Mostra de Cinema de Expressão Alemã. Em comum, retratos ambíguos de um país dividido - e onde o passado não ficou decididamente para trás.

Em Trânsito

"EM TRÂNSITO", de Christian Petzold: Ao adaptar um romance de Anna Seghers publicado em 1944, que acompanhava exilados da Segunda Guerra Mundial, o realizador de "Gespenster" ou "Phoenix" finta lugares comuns do filme de época e combina passado e presente, ancorando a acção numa Marselha contemporânea embora não necessariamente reconhecível (a ausência de telemóveis e outros gadgets, por exemplo, não passa despercebida). Entre o melodrama e o film noir, com um romantismo que parece herdado de outros tempos, é uma experiência tão curiosa como ambiciosa, que esbarra com as ameaças do nazismo enquanto também coloca em jogo a crise de refugiados actual. Nem sempre convence: a voz off às vezes intrusiva e demasiado explicativa ou as coincidências que se vão acumulando (ainda que de forma assumida) travam algum entusiasmo, e o ritmo nem sempre é o mais certeiro. Mas este relato de uma fuga permanente também volta a dar provas de uma voz singular, que parte do realismo para terrenos mais movediços e fantasmagóricos e tem aqui um protagonista à altura do desafio: Franz Rogowski, estranho numa terra estranha e a fazer um caminho entre o desespero e o altruísmo. Paula Beer (vista em "Frantz", de François Ozon, outro filme de época fora dos eixos) acompanha-o como proto femme fatale e motor narrativo de uma história com espaço para o amor no meio da guerra. E o humanismo do retrato que Petzold deixa de um triângulo amoroso leva a que, apesar do percurso acidentado, "EM TRÂNSITO" acabe por chegar a  bom porto.

3/5

Nunca Deixes de Olhar

"NUNCA DEIXES DE OLHAR", de Florian Henckel von Donnersmarck: Há nove anos, "O Turista" parecia encaminhar (mais) um realizador promissor para a lista de tarefeiros de Hollywood, ao suceder a uma primeira obra desafiante ("As Vidas dos Outros", 2006) com um blockbuster genérico. Mas afinal nem tudo estava perdido... Ao terceiro filme, Henckel von Donnersmarck regressa à Alemanha de Leste, cenário da sua obra de estreia, e volta a mostrar que ainda há novas (e boas) histórias dominadas pelo regime nazi que merecem chegar ao grande ecrã.

Nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, este drama (livremente inspirado na vida do artista alemão Gerhard Richter) pede três horas ao espectador mas raramente acusa a duração, conjugando o crescimento do protagonista e as transformações de um país com o fôlego de um grande romance. A primeira metade é especialmente conseguida, com a abordagem sensível e clássica (mas não acomodada) do realizador a cruzar os horrores do Holocausto com o quotidiano de uma família de Dresden, em paralelo com um olhar sobre a forma como a ideologia compromete a arte. Na segunda, von Donnersmarck deixa para trás algumas personagens e também parte da tensão dramática, centrando-se numa fase relativamente mais apaziguada da vida do protagonista - aquela onde investe a fundo no seu processo criativo, já na Alemanha Ocidental, então livre das influências dos regimes fascista ou comunista.

Entre duas ou três conveniências de argumento e uma certa insistência (já na recta final) nos dilemas da página (ou tela) em branco, "NUNCA DEIXES DE OLHAR" vai tendo alguns desequilíbrios narrativos, e chega a ser desapontante que não invista mais na personagem de Paula Beer (sim, também a musa de "Em Trânsito"), cuja história pessoal justificava outra atenção. Mesmo assim, está aqui uma saga pessoal com eco universal apontada ao grande público, como "O Turista", mas com a exigência, subtileza e ressonância emocional que tornaram "As Vidas dos Outros" numa estreia invulgar. Continuemos a olhar para Henckel von Donnersmarck, então...

3,5/5

Adam & Evelyn

"ADAM & EVELYN", de Andreas Goldstein: Apesar de se ambientar nos últimos dias da República Democrática Alemã, durante o Verão de 1989, o maior conflito deste drama meditativo e idiossincrático não é político mas conjugal. E é logo por aí que o olhar de Goldstein acaba por sobressair, ao recusar os cenários habituais, e muitas vezes caóticos, de outras histórias sobre o seu país dividido.

O elemento masculino do casal protagonista nem tem, aliás, grandes ambições de mudança do seu dia a dia, contentando-se com a vida pacata no interior e a atenção dividida entre a costura (é um alfaiate reputado e disputado localmente) e a sua companheira (uma empregada de restaurante menos adepta dessa rotina e disposta conhecer a Alemanha Ocidental). Mas quando a hipótese de uma traição coloca em causa a (aparente) harmonia amorosa, a dinâmica do casal reforça laços com o espírito do tempo e com as possibilidades que a queda do Muro de Berlim oferece. Ainda assim, nem a infidelidade faz com que Goldstein eleve o filme acima de uma tensão em lume brando, com um tom tão lacónico como a atitude do protagonista, mantendo "ADAM & EVELYN" preso a uma certa rigidez tanto narrativa como formal: predilecção por planos fixos, diálogos pausados (mas intrigantes), posturas teatrais, underacting de boa parte do elenco.

Felizmente, o resultado é mais esquelético do que esquemático, e aos poucos a forma inicialmente inusitada como as personagens (principais e secundárias) se relacionam acaba por ganhar sentido e ajuda a consolidar uma sensibilidade própria - que, à semelhança da relação amorosa que acompanha, joga segundo as suas próprias regras. E em vez do grito de revolta de outras crónicas, serve um sussurro resignado (e uma das surpresas da KINO - Mostra de Cinema de Expressão Alemã deste ano).

3/5

Raiva em formato dream pop

Tamaryn 2019

 

Desde o início da década, TAMARYN tem-se mostrado um dos nomes mais confiáveis na revisitação da dream pop e de algum shoegaze, ao longo de um percurso que já resultou em três álbuns e conta com um quarto a caminho - "Dreaming the Dark", agendado para 22 de Março.

 

Tendo em conta a primeira amostra do próximo disco, "FITS OF RAGE", o que aí vem parece ser a sucessão natural de "Cranekiss" (2015), com a música da neolezandesa a retomar pistas deixadas em finais dos anos 80 pelos Cocteau Twins, Kate Bush ou Curve - algumas também seguidas nos últimos anos pelos GEMS ou Them Are Us Too.

 

Mas se este está longe de ser território inexplorado, ainda pode ser fértil em boas canções. E TAMARYN deixa aqui mais uma para juntar a uma colheita estimável, da entrada das guitarras à conjugação com uma voz possante rumo a um refrão forte. O ambiente onírico sai reforçado no videoclip, realizado e protagonizado pela própria cantautora, que cruza as ideias de revolta e transformação da canção com o imaginário do tarot:

 

 

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