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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Apita o comboio (enquanto traz uma nova canção do "Boss")

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Já falta pouco para a chegada do novo álbum de BRUCE SPRINGSTEEN. Sucessor de "High Hopes", de 2014, "Western Stars" conta com lançamento agendado para 14 de Junho e foi buscar inspiração a muita pop californiana de finais dos anos 60 e inícios de 70. Tendo em conta que o "Boss" também prometeu arranjos cinematográficos e orquestrais a forrar o alinhamento, pode estar aqui um dos seus discos mais polidos e grandiosos.

 

As amostras iniciais não contrariaram essa suspeita: se "Hello Sunshine", o primeiro single, ainda era relativamente contido, "There Goes My Miracle" destacou-se por um fôlego épico (talvez até sobreproduzido) cruzado com um registo vocal a aproximar-se do de David Bowie. Foi um território relativamente inesperado, admita-se, mas o novo single sugere que o alinhamento vai ter episódios mais familiares - o que talvez até nem seja má opção.

 

Apesar da presença notória de cordas e sopros, "TUCSON TRAIN" mantém-se em lume brando e com o norte-americano a adoptar um tom mais meditativo, à medida de um contador de histórias numa viagem física e emocional - além de voz indefectível da classe trabalhadora em relatos na linha de "Hard work'll clear your mind and body/ The hard sun will burn out the pain".

 

Depois de uma digressão em torno de "The River" com a E Street Band, de um livro de memórias e de uma residência na Broadway (que acabaria registada num especial da Netflix) nos últimos tempos, há mais motivos para voltarmos a dar atenção ao percurso do veterano de 69 anos. O novo videoclip junta-o aos músicos que participaram no disco - entre eles a sua mulher, Patti Scialfa:

 

 

Este Super-Homem não salva ninguém

A oferta de super-heróis no cinema pode estar a atingir o ponto de saturação, mas ainda há boas surpresas. Em "BRIGHTBURN - O FILHO DO MAL", David Yarovesky oferece uma das variações mais estimulantes do género em muito tempo.

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E se o Super-Homem fosse um vilão? É esta a premissa do segundo filme de David Yarovesky, realizador do pouco visto "The Hive" (2014), produzido por James Gunn ("Guardiões da Galáxia") e escrito pelos irmãos deste, Brian e Mark. O ponto de partida não será inédito na BD, mas no grande ecrã tem a carga de novidade suficiente para propor uma alternativa a aventuras cada vez mais rotineiras e conformistas.

Numa altura em que um arrastado e preguiçoso "Vingadores: Endgame" se expande por tantas salas, é pena que esta aposta tão modesta quanto inventiva vá ficar, muito provavelmente, como uma nota de rodapé nos balanços de bilheteira. Ainda assim, está aqui uma séria candidata a obra de culto, pela forma como conjuga a matriz de uma história de origem, semelhante à de muitos super-heróis, que acaba por se desviar para terrenos do terror (e do slasher movie em particular).

Se o relato de uma criança alienígena adoptada por um casal do interior norte-americano é uma herança óbvia da saga do Super-Homem, "BRIGHTBURN - O FILHO DO MAL" vai-se aproximando de outros universos à medida que o percurso de Brandon Breyer, o protagonista, se coloca nos antípodas do modelo virtuoso de Clark Kent e do seu alter-ego.

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Há por aqui ecos de "O Bom Filho" ou "Temos de Falar Sobre Kevin", com o resultado a ser francamente mais satisfatório do que o desses dramas, mas também de "Crónica" ou de "Thelma", outras propostas que utilizaram os superpoderes em histórias que fugiram ao heroísmo tipificado. Ou ainda do mais distante "O Génio do Mal" ("The Omen"), talvez a influência mais assumida.

Pelo caminho, Yarovesky vai provando que a alternativa à máquina da Marvel e da DC não tem de passar pela visão muito meta e muito pretensiosa (e verborreica) do também recente "Glass", a última desilusão de M. Night Shyamalan. "BRIGHTBURN - O FILHO DO MAL"  mostra-se bem mais directo ao assunto, com uma lógica de série B e um tratado de economia narrativa, numa aliança estimulante de drama familiar, suspense, acção em doses controladas e salpicos gore certeiros (fica o aviso: algumas cenas não são mesmo aconselhadas aos mais sensíveis).

É bom ver um filme que não tem medo de levar a sua premissa às últimas consequências, doa a quem doer. E essa liberdade criativa é um bálsamo face a muita concorrência na qual a morte parece ser facilmente reversível, e por isso inconsequente, eliminando qualquer risco no processo. Por outro lado, a abordagem impiedosa tem levado a que alguns acusem o argumento de sadismo, embora a violência seja sempre coerente com o tom que Yarovesky adopta - e sublinhada por um bem-vindo humor negro que nunca se torna opressivo.

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Capaz de desenhar uma atmosfera sinuosa no quotidiano de uma comunidade conservadora, num ponto de encontro credível entre realismo e esoterismo (reforçado por uma fotografia de tons turvos), "BRIGHTBURN - O FILHO DO MAL" é eficaz nas cenas domésticas entre o protagonista e a família e especialmente convincente nas sequências mais endiabradas, algumas de antologia (como as que envolvem um ataque num restaurante ou um acidente de viação).

Além de estar à vontade na construção deste mundo, Yarovesky revela-se um director de actores seguro: Jackson A. Dunn e David Denman são convincentes na pele do protagonista e do pai, respectivamente, mas no departamento interpretativo o filme pertence e Elisabeth Banks, escolha muito acertada (e algo improvável) para uma mãe-coragem com o papel de maior peso dramático.

Onde "BRIGHTBURN - O FILHO DO MAL" não deixa de manter o registo de muitos filmes de super-heróis é no desenlace, a deixar aberta a porta aberta para sequelas ou até de um novo universo partilhado. Mas independentemente do que possa vir a seguir, este eventual primeiro capítulo de uma história maior vale por si só, e aí destaca-se (com distinção) da oferta esmagadora do género.

3,5/5

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