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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Entre o trip-hop, o jazz e a tensão pré-Brexit

Kelli Ali 2019.jpg

Saudades dos Sneaker Pimps? Não, não estão de volta, mas há novidades da ex-vocalista do grupo. Depois de ter participado apenas em "Becoming X", o primeiro álbum dos britânicos, KELLI ALI ficou praticamente afastada dos holofotes embora mantenha uma já longa (e bem aconselhável) discografia em nome próprio desde inícios do milénio.

"Band of Angels", de 2013, continua a ser o álbum mais recente (e um dos melhores), embora talvez não tenhamos de esperar muito para ouvir o sucessor. "Ghostdriver" está prometido para este ano, depois de ter sido adidado várias vezes, e é a aventura mais ambiciosa de KELLI ALI até agora: além de um disco, é um filme, o primeiro assinado pela cantora e compositora.

O projecto é descrito como um thriller noir e uma carta de amor a Londres, baseada nas experiências da autora na capital londrina e com colaborações de alguns amigos do meio artístico (incluindo Liam Howe, ex-colega dos Sneaker Pimps, que está entre os produtores). O resultado promete ser o mais desafiante da sua obra, com uma fusão de trip-hop, ambientes electrónicos e acústicos e heranças do jazz.

A primeira amostra já deixa sinais dessa viragem: com um compasso dub que acaba dominado pela presença de um saxofone, "THE FEAR OF LONDON" é um arranque muito promissor para um novo capítulo, chegando a lembrar algumas experiências da fase mais recente de Neneh Cherry (outra sobrevivente dos primórdios do trip-hop que não perdeu a inspiração). O videoclip, co-realizado por ALI, acentua o clima de paranóia pré-Brexit palpável na música:

Foi cool? Sim, mas talvez até demais

Uma noite de belas canções às quais pareceu faltar um sentido de espectáculo à altura. Na sua estreia lisboeta, no Musicbox, JONATHAN BREE apresentou esta quarta-feira uma actuação singular e personalizada, mas que não fez inteira justiça a "Sleepwalking", o seu novo álbum.

Jonathan Bree no Musicbox Lisboa @Ana Viotti.jpg

No videoclip de um single como "You're So Cool", tudo faz sentido. Foi através dessa canção que JONATHAN BREE, apesar de uma longa carreira com os Brunettes desde finais dos anos 90 e de um percurso a solo mais recente, terá conseguido chegar a novos públicos nos últimos tempos. O suficiente para consolidar um fenómeno de culto em torno do cantautor e produtor neo-zelandês, alimentado por aquele que será o seu tema mais orelhudo sem perder a aura soturna da sua pop de câmara.

O vídeo ajudou, ao centrar-se numa actuação na qual tanto o músico como a sua banda surgem com a cara coberta por uma máscara, num cenário que lembra emissões televisivas dos anos 50/60, evocação reforçada por uma fotografia a preto e branco de tons esbatidos. Assente numa voz de barítono sussurrante e numa alternância entre ambientes intimistas e quase épicos (quando as cordas ganham protagonismo), "You're So Cool" terá sido, para muitos, o principal (e impressionante) cartão de visita de "Sleepwalking", terceiro álbum a solo e digno sucessor de "The Primrose Path" (2013) e "A Little Night Music" (2015).

Sleepwalking.jpg

A máscara que se destacava aí, tal como na capa do disco, regressaria nos videoclips dos singles seguintes e mantém-se como elemento-chave dos concertos da Sleepwalking Tour, que passou por palcos portugueses esta semana no festival A Porta, em Leiria, pelo Maus Hábitos, no Porto, e finalmente pelo Musicbox, em Lisboa, na estreia do neo-zelandês na capital (com direito a sala esgotada, tal como a noite na Invicta).

Infelizmente, as opções cénicas que despertam curiosidade por este universo nos três ou quatro minutos de um videoclip revelam-se limitadas e repetitivas num espectáculo com certa de uma hora de duração (aliás, 55 minutos bem contados e sem direito a encore, o que acabou por saber a pouco).

Acompanhado por quatro elementos, dois músicos (na bateria e guitarra) e duas bailarinas (que pontualmente cantaram e se ocuparam da guitarra ou pandeireta), JONATHAN BREE adoptou uma postura tão teatral como estática, nunca se tendo dirigido directamente ao público para verbalizar cumprimentos ou agradecimentos, limitando a sua interacção às flores que atirou para as primeiras filas a meio do espectáculo.

Jonathan Bree no Musicbox Lisboa @Ana Viotti 2.jpg

A contrastar com a sua atitude contida, as duas bailarinas foram imparáveis, também elas com o rosto coberto e indumentária rendilhada, a deixar sugestões de um imaginário de outros tempos ou de atmosferas do cinema de terror. A carga cinemática foi sublinhada, aliás, por alguns arranjos de cordas, mas é pena que as tenhamos ouvido num formato pré-gravado em vez de entregues a músicos no palco. Essa frustração também passou pelo registo vocal, que às tantas deixou sérias desconfianças de playback - não tanto no caso de BREE, mas no das vozes femininas presentes em alguns temas.

Longe de arrebatar, o concerto foi ainda assim competente, até porque nas canções propriamente ditas nunca comprometeu. Esta discografia já tem uma mão cheia delas, e nenhuma dispensável, o que levou a um alinhamento que arrancou com episódios de compasso mais lento (caso da nebulosa faixa-título do novo álbum, na abertura) para ir ganhando maior dinamismo rítmico até ao final. Houve ecos das vozes e obra de Scott Walker, Serge Gainsbourg ou Leonard Cohen numa música que conseguiu ser sorumbática e onírica mas também dominada por uma sensibilidade pop envolvente, num espectro que foi do barroco ao minimalista (como quando ouvimos o neo-zelandês a capella, em alguns dos pontos altos da actuação).

Jonathan Bree no Musicbox @Ana Viotti 3.jpg

As imagens projectadas no ecrã ao fundo do palco, entre o preto e branco e o sépia, e os escassos adereços (entre leques e raquetes que se fizeram passar por guitarras) contribuíram para uma vertente lo-fi e artesanal, apropriada a estas canções, com um ambiente muito lá de casa. E além de "You're So Cool", que sem surpresas ficou entre os picos da noite, houve instantes tão bons ou até melhores em "Valentine" e sobretudo "Fuck It", com o crooning planante de BREE a atingir o ponto de rebuçado. Mas com uma duração mais longa e outro formato de espectáculo, o encantamento podia ter sido total.

3/5

Fotos @Ana Viotti/Musicbox Lisboa

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