Deu que falar na edição deste ano do Festival da Eurovisão, na qual se destacou com o segundo lugar na final, por "Soldi", tema que representou a Itália. Mas se essa projecção acabou por dar outro embalo ao seu álbum de estreia, "Gioventù bruciata", editado em Fevereiro (e sucessor de um EP homónimo, de 2018), MAHMOOD parece estar mais interessado em dar o próximo passo do que em capitalizar o que está para trás.
Em vez de apostar num novo single do disco, o italiano de ascendência egípcia apresenta "BARRIO", o primeiro inédito depois do patamar de visibilidade internacional. E como o título sugere, é uma canção que vinca mais um regresso a casa do que uma viragem sonora, ao voltar a apostar no cruzamento de influências que já dominava as antecessoras.
Ainda assim, o resultado não se limita ao regime de mais do mesmo: mantém-se a herança da música árabe na produção, assim como a mistura de hip-hop, R&B e pop na composição, mas há espaço para contaminações do flamenco, audíveis logo no arranque - com uma ponte entre o tradicional e o contemporâneo que não será estranha ao universo de Rosalía.
Tal como "Soldi", é um tema autobiográfico, que deixa uma homenagem à amálgama cultural com que Alessandro Mahmoud cresceu em Milão. Não admira, por isso, que o videoclip esboce um retrato da cumplicidade entre a comunidade hispânica e árabe, enquanto ajuda a explicar a escolha do italiano para actuar na sede do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, em Outubro - antes do arranque da digressão "Good Vibes" por várias cidades europeias. A estadia no bairro não vai ser longa, afinal...
Um foi uma tremenda desilusão, outro uma surpresa curiosa. "BACURAU" e "THE LODGE", dois dos filmes de terror (em sentido lato, sobretudo o primeiro) mais falados dos últimos tempos, estiveram entre os mais concorridos da 13ª edição do MOTELX, no Cinema São Jorge, em Lisboa
"BACURAU", de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles: Premiado em Cannes e aplaudido por muita imprensa dentro e fora do Brasil, o novo filme do autor de "O Som ao Redor" e "Aquarius" - que agora partilha a realização com o seu director de arte -, pode vir a fazer maravilhas como arma de arremesso contra Bolsonaro e companhia, mas enquanto cinema é uma das maiores desilusões do ano. O que havia de subtil nas obras anteriores cede aqui terreno ao gratuito, depois de uma primeira meia-hora que até apresenta um retrato comunitário palpável e intrigante do sertão nordestino.
Infelizmente, este híbrido de ficção científica, western e terror (com gore à discrição) limita-se a introduzir personagens promissoras para depois as reduzir a símbolos descartáveis, numa sátira que rapidamente se torna maniqueísta - ao opor a "pureza" dos nativos contra o mal sem travões disseminado pelos invasores imperialistas (caucasianos e norte-americanos, naturalmente). Se a ideia era deixar uma ode à resistência face à opressão e à dizimação cultural, uma curta-metragem teria sido suficiente. Assim, temos um panfleto slasher de mais de duras horas, óbvio e repetitivo, e sobretudo tremendamente previsível e preguiçoso.
As supostas cenas de suspense raramente escapam à banalidade e não há caução cinéfila (Carpenter, Leone ou Tarantino pairam por aqui) nem auto-consciência que salvem um argumento tão raso ou vários actores desastrosos - má demais, a grupeta de assassinos canastrões liderada por Udo Kier. Mais triste ainda é ver Sônia Braga, tão bem tratada em "Aquarius", perdida no meio do desastre e sem personagem a que se agarrar.
Para um mergulho recente e bem mais imaginativo e arriscado numa pequena comunidade pernambucana, nada como (re)descobrir "Azougue Nazaré", de Tiago Melo (curiosamente, ex-colaborador de Kleber Mendonça Filho). E quem procurar um retrato do Brasil de hoje sem simplismos nem ganga panfletária, tem numa série como "Pico da Neblina", de Quico e Fernando Meirelles, uma proposta muito superior. "Bacurau" até pode vir com a capa irreverente de cinema de género, mas só oferece o pior do "filme tema"...
0/5
"THE LODGE", de Severin Fiala e Veronika Franz: A dupla austríaca que se destacou com o elogiado "Goodnight Mommy" (2014) volta a abordar dramas familiares através do terror, agora a partir da relação entre dois irmãos adolescentes e a nova companheira do pai, acolhida com desconfiança.
Cinema de câmara, o filme que se estreou em Sundance passa a maior parte do tempo no interior de uma casa de férias, isolada na neve durante as vésperas de um Natal sem direito a milagres. Por outro lado, não faltam tormentos numa história que junta traumas e cultos, mas que está muito acima de disparates esotéricos na linha de "The Conjuring" e outros relatos derivativos de mansões assombradas.
Há quem compare o ambiente frio, gélido mesmo, a "The Shining", embora "A Visita" talvez esteja mais próximo deste convívio forçado entre dois miúdos e um parente mais velho. O resultado é especialmente conseguido na primeira metade, quando a "madrasta" (encarnada por uma credível Riley Keough) é tão misteriosa para os adolescentes como para os espectadores e ajuda a desenhar um ambiente de cortar à faca.
Essa secura emocional deriva muito da conjugação minuciosa e minimalista de imagem e som, abrilhantada pela direcção de fotografia de Thimios Bakatakis (colaborador de Yorgos Lanthimos em "O Sacrifício de Um Cervo Sagrado" e "A Lagosta") e com um sussurro ou um ranger de porta a valerem mais do que a overdose de jump scares de muita concorrência. O minimalismo alarga-se a um elenco que nem precisa de uma dezena de actores, entre os quais Richard Armitage, Jaeden Martell (um dos protagonistas de "IT") e Alicia Silverstone (numa participação tão breve como decisiva).
Mas a meio também fica a sensação de que Fiala e Franz vão perdendo algum fôlego, concentrando-se demasiado em cenas que insistem em baralhar o real e o ilusório. E mais à frente, uma reviravolta chega a comprometer a verosimilhança do que estava para trás, mesmo que a recta final recupere alguma inspiração e até conte com sequências de antologia (em especial uma que envolve um automóvel na neve, mostrando como a câmara da dupla ainda pode moldar situações arrepiantes a partir de cenários reconhecíveis).
Enquanto exercício de estilo, há aqui savoir faire e ideias mais do que suficientes, e a dupla é capaz de fintar lugares comuns associados ao terror. Só faltou um mergulho no drama familiar com mestria à altura, já que alguma desta angústia se arrisca a dissipar-se à saída da sala...