Não, minha filha, tu não te vais separar
Do elenco à ousadia formal, "QUARTO 212" tem algumas das qualidades que ajudaram a distinguir o cinema de Christophe Honoré, mas está longe de ficar entre as obras mais memoráveis do autor de "Em Paris" ou "As Canções de Amor".
O embalo de "Agradar, Amar e Correr Depressa", estreado em Portugal no ano passado e o melhor filme de Christophe Honoré em muito tempo, deixava alguma expectativa em torno do próximo passo de um nome que ajudou a dar novo fôlego ao cinema francês no início do milénio - até que a certa altura foi parecendo cada vez menos inspirado.
Mas se o reencontro do realizador com uma das suas cúmplices habituais, Chiara Mastroianni, aqui de volta a um papel protagonista depois da colaboração em "Não Minha Filha, Tu Não Vais Dançar" (2009), ajudava a aguardar este regresso com entusiasmo, "QUARTO 212" fica uns degraus aquém do que seria legítimo esperar da dupla.
Não que a actriz desaponte, como aliás não desaponta nenhum elemento do elenco. A direcção de actores continua a ser um dos trunfos de Honoré, que chamou gente como o cantor Benjamin Biolay ou Vincent Lacoste (um dos protagonistas do seu filme anterior), e essas presenças ajudam a explicar boa parte do carisma que o filme vai emanando.
A combinação de géneros, que tem pontuado obra do cineasta, também dá alguma singularidade à proposta. O que arranca com garra, em jeito de comédia de costumes defendida por uma Mastroianni magnética e imparável, depressa cede espaço a um retrato desencantado de uma crise conjugal entrecruzada com uma crise de meia-idade, que mantém a ironia enquanto tenta um casamento de drama de câmara e traços do fantástico (em modo sóbrio e elegante) ou do realismo mágico (também com contenção).
Ao fim de 20 anos atrás das câmaras, Honoré não dá sinais de querer acomodar-se, mas a alquimia narrativa e formal de "QUARTO 212" expõe demasiado cedo as suas limitações. Quando a protagonista sai de casa para passar uma noite num hotel, sozinha, e começa a ajustar contas com o passado amoroso e as escolhas de vida, iniciando diálogos imaginários com figuras que marcaram a sua história afectiva, o resultado torna-se uma variação (muito francesa e muito burguesa) da lógica de "Um Conto de Natal", de Charles Dickens. Essa familiaridade nem é um problema e até poderia jogar a favor do filme caso este não adoptasse um tom demasiado auto-consciente, que acaba por ir sabotando parte da força dramática.
Honoré já teve conjugações mais conseguidas de gravidade e leveza, ainda que não deixe de contar com alguns diálogos fortes (e que os actores sabem agarrar) onde se discutem fronteiras entre liberdade e promiscuidade, além de perspectivas intrigantes sobre o desejo, o perdão, o envelhecimento ou a rejeição. Só que não chega a mergulhar tão fundo nos conflitos dos seus protagonistas como dá a entender, com a recta final a dever mais à desenvoltura do elenco ou ao primor da direcção artística do que ao interesse e intensidade que as personagens e os seus dilemas despertam. E se o realizador é habilidoso ao evitar a sensação de teatro filmado num filme que decorre em poucos espaços, e quase sempre interiores, compondo uma atmosfera melancólica e outonal estilizada, sente-se falta dos tempos em que a sua câmara percorria as ruas de Paris com outra liberdade e frescura (o que aqui só acontece durante poucos minutos).
Apesar de embrulhado com um savoir faire inegável, "QUARTO 212" é obra de um cineasta a meio-gás, por muito que seja polvilhada com citações cinéfilas, como já é típico nos seus filmes (entre as mais evidentes estão um bar chamado Rosebud e uma estreia de François Ozon em cartaz na rua do casal protagonista). Por outro lado, ainda será facilmente preferível à fase de "Homme au bain" (2010) ou "Os Bem-Amados" (2011), de longe a mais desapontante. Não que seja grande consolo, mas é o suficiente para justificar alguma atenção, pelo menos dos apreciadores de Honoré...
2,5/5
"QUARTO 212" estreou na RTP1 esta semana e está disponível na RTP Play e na Filmin.