Como escolher os dez filmes favoritos de uma década? Se a selecção anual já não costuma ser pacífica, olhar ainda mais para trás dá outro peso ao desafio, obrigando a regressar a centenas (ou milhares?) de estreias vistas e algumas (poucas) revistas. Ficam as memórias, geralmente as do primeiro impacto, e a sempre subjectiva e relativa questão do gosto pessoal, sujeito a alterações na próxima década, no próximo ano, no próximo mês...
Mas no caso desta triagem, entre 2010 e 2019, não só o gosto pessoal não mudou assim tanto como mantenho o que escrevi na altura sobre a dezena de escolhas abaixo, todas acompanhadas de crítica, independentemente das classificações (que hoje até seriam quase todas mais elevadas, aliás). Há animação, terror, comédia negra, aparentados de super-heróis e, sobretudo, dramas realistas e familiares q.b. (a ter de apontar alguma tendência na lista), entre cinema europeu, norte-americano, asiático e árabe. E também há três menções honrosas num top 10 que, como quase todos, é demasiado curto (mas aceita sugestões ou mesmo reclamações de omissões imperdoáveis):
Embora a pandemia do novo coronavírus tenha vindo reforçar as fragilidades laborais do sector artístico, o período de isolamento também acabou por servir de inspiração a criadores de várias áreas. E aos muitos casos que têm surgido nos últimos tempos juntam-se os dos MAN ON MAN e de TORRES, com novas canções e videoclips que ganham uma ressonância especial no Dia Internacional do Orgulho LGBTQI+, assinalado este domingo, 28 de Junho.
Projecto de Roddy Bottum (teclista dos Faith No More e membro dos Nastie Band e Imperial Teen) e do seu companheiro, Joey Holman (ex-elemento da banda alternativa cristã Cool Hand Luke), os MAN ON MAN editaram o seu primeiro single, "DADDY", durante o período de quarentena e preparam-se para lançar um álbum gerado em casa nos últimos meses.
A canção, que parte do encontro sexual de um homem com um parceiro mais velho, junta cumplicidade, atrevimento e sentido de humor a um crescendo de guitarras com heranças de algum rock alternativo -- e vincado por uma sensibilidade pop evidente. O videoclip, protagonizado pelo próprio casal de músicos, que surge quase sempre em roupa interior, é que não parece ter caído bem a responsáveis do Youtube, que o removeram durante várias semanas até o terem reposto recentemente. Mas é difícil encontrar algum aspecto ofensivo num retrato que, conforme descreve a dupla, celebra o amor durante o confinamento - e com a particularidade de se afastar de uma representação estereotipada de um casal homossexual.
Não é mais um vídeo com homens "bonitos, jovens e depilados", assinalou Bottum em entrevista à Rolling Stone, e nem se esperaria que quem instigou Mike Patton a cantar sobre sexo oral gay de forma declaradamente despudorada fosse por aí (na distante "Be Aggressive", dos Faith No More, em 1992, um ano antes de o teclista assumir publicamente a sua homossexualidade).
Já "TOO BIG FOR THE GLORY HOLE", o novo single de TORRES, segue um caminho completamente diferente, apesar de o título sugerir outro relato espirituoso ou libidinoso. A canção é uma das que ficaram de fora de "Silver Tongue", o álbum mais recente de Mackenzie Scott, editado em Janeiro. E tal como alguns temas do alinhamento do disco (um dos melhores da norte-americana), nasceu da sua relação com a artista visual Jenna Gribbon.
Balada conduzida pela voz dolente da cantautora entre teclados e sintetizadores minimalistas, inspira-se na fase em que o casal decidiu partilhar casa e disse adeus a uma rotina solitária, o que ajuda a explicar o cenário doméstico de um videoclip feito a meias: Scott é a protagonista, Gribbon filmou-a num iPhone. Mais uma quarentena produtiva, portanto:
Quando editaram o álbum de estreia, "Ghost Blonde", há dez anos, os NO JOY revelaram-se discípulos fiéis de um shoegaze com passagens pelo noise e drone, num conjunto de canções que também integrou ecos do rock alternativo de inícios dos anos 90. Mas os discos sucessores, "Wait to Pleasure" (2013) e "More Faithful" (2015), foram alargando progressivamente a paleta de influências, que acolheu mais heranças do que as dos My Bloody Valentine, Slowdive ou Sonic Youth.
"Motherhood", o quarto longa-duração, agendado para 21 de Agosto, segue esses passos e é apresentado como o mais expansivo dos canadianos. Por um lado, pelo reforço electrónico, que já tinha vindo a ser cada vez mais pronunciado no som do grupo de Montreal, inicialmente dominado pelas guitarras; por outro, porque a revisitação do shoegaze e da dream pop já não está necessariamente nas prioridades do alinhamento. A colaboração com Sonic Boom (Peter Kember, ex-Spacemen 3) num EP, em 2018, ou a partilha de palcos com nomes como os Quicksand ou Baths terão ajudado a abrir portas para um disco mais exploratório - e com vontade de combinar traços do trip-hop, do trance ou até do nu-metal.
Jasamine White-Gluz, a vocalista e compositora principal, diz ter sido especialmente inspirada por álbuns dos Massive Attack ou Sneaker Pimps, mas para já a entrada em "Motherhood", feita com cruzamentos de melodia e distorção em registo etéreo nos singles "BIRTHMARK" e "NOTHING WILL HURT", lembra mais os anos 90 de uns Curve (a aproximação vocal à saudosa Toni Halliday ajuda). E também não anda longe das aventuras mais recentes de Tamaryn ou I Break Horses (igualmente regressados este ano). Venham agora os próximos capítulos de uma expansão sónica que começa bem: