Quando editaram o álbum de estreia, "Ghost Blonde", há dez anos, os NO JOY revelaram-se discípulos fiéis de um shoegaze com passagens pelo noise e drone, num conjunto de canções que também integrou ecos do rock alternativo de inícios dos anos 90. Mas os discos sucessores, "Wait to Pleasure" (2013) e "More Faithful" (2015), foram alargando progressivamente a paleta de influências, que acolheu mais heranças do que as dos My Bloody Valentine, Slowdive ou Sonic Youth.
"Motherhood", o quarto longa-duração, agendado para 21 de Agosto, segue esses passos e é apresentado como o mais expansivo dos canadianos. Por um lado, pelo reforço electrónico, que já tinha vindo a ser cada vez mais pronunciado no som do grupo de Montreal, inicialmente dominado pelas guitarras; por outro, porque a revisitação do shoegaze e da dream pop já não está necessariamente nas prioridades do alinhamento. A colaboração com Sonic Boom (Peter Kember, ex-Spacemen 3) num EP, em 2018, ou a partilha de palcos com nomes como os Quicksand ou Baths terão ajudado a abrir portas para um disco mais exploratório - e com vontade de combinar traços do trip-hop, do trance ou até do nu-metal.
Jasamine White-Gluz, a vocalista e compositora principal, diz ter sido especialmente inspirada por álbuns dos Massive Attack ou Sneaker Pimps, mas para já a entrada em "Motherhood", feita com cruzamentos de melodia e distorção em registo etéreo nos singles "BIRTHMARK" e "NOTHING WILL HURT", lembra mais os anos 90 de uns Curve (a aproximação vocal à saudosa Toni Halliday ajuda). E também não anda longe das aventuras mais recentes de Tamaryn ou I Break Horses (igualmente regressados este ano). Venham agora os próximos capítulos de uma expansão sónica que começa bem:
Um dos álbuns mais caleidoscópicos de Björk continua a ser também dos mais acessíveis e vibrantes. Editado há 25 anos, "POST" foi uma montra das possibilidades da pop da década de 90 e da visão iconoclasta da islandesa.
Ao lado de bandas conterrâneas como os Kukl e sobretudo os Sugarcubes, Björk já se tinha imposto como uma figura e voz singular, captando atenções a cada novo registo, num percurso que lhe deu experiência e confiança para arriscar uma aventura a solo bem sucedida, em "Debut" (1993).
Não sendo exactamente uma estreia em nome próprio - essa ficou documentada num discreto álbum homónimo, editado aos 11 anos -, o disco foi a grande alavanca para as atenções internacionais que tornaram a islandesa numa figura de proa da pop dos anos 90. E depois de esse primeiro passo ter sido uma pedrada no charco, com adesão expressiva do público e da crítica, "POST" (1995) assegurou que o fantasma do "difícil" segundo álbum (de edição internacional) não marcaria esta carreira.
Levando mais longe o encontro de linguagens orgânicas e electrónicas, sem nunca perder de vista o formato canção (compromisso que edições posteriores já não garantiriam), o alinhamento, ouvido à distância de 25 anos, consegue fazer sombra a muitos best of, tendo em conta a colecção impressionante de singles. Alguns dos maiores clássicos de Björk ainda moram aqui e marcam um tempo no qual aliava arrojo e popularidade, mérito não só da sua curiosidade avessa a categorizações e géneros mas também de uma lista de colaboradores escolhida a dedo.
Nellee Hooper, um dos aliados-chave de "Debut", partilhou o produção com nomes do calibre de Tricky, Howie B e Graham Massey, este um cúmplice habitual já desde os tempos dos 808 State (banda que convocou a islandesa para algumas canções). Mark "Spike" Stent, Guy Sigsworth, Marius de Vries ou Talvin Singh (antes de se tornar figura de referência do asian underground) foram outras forças criativas de um álbum que também teve aliados de peso na altura de pensar a imagem - do fotógrafo Stéphane Sednaoui a Michel Gondry e Spike Jonze, realizadores de videoclips icónicos para a geração MTV.
Além de uma equipa de luxo, "POST" beneficiou da mudança da sua autora para Londres e da imersão num caldeirão cultural especialmente condimentado com novos ingredientes da música de dança. Depois das aproximações house do disco anterior, aqui Björk aceitou convites do breakbeat e do trip-hop, até porque se encontrava no lugar certo na altura certa. Ou mesmo de contornos industriais na abertura imponente a cargo de "Army of Me", a lançar pistas para ambientes caóticos retomados nas superlativas "Enjoy" (uma das pérolas esquecidas de Tricky) e "I Miss You", ambas com sujidade e ambição fusionista trazida de algum jazz.
Mais harmoniosa, mas sem abdicar da vertigem, "Hyperballad" fez um casamento perfeito entre o digital e o orquestral, combinação com outro pico na grandiosidade bucólica de "Isobel" (com o poeta islandês Sjón a assumir o papel de co-compositor).
Se nestas letras Björk pareceu dividir-se entre a introspeção e a abertura ao mundo, o conforto e o risco, a solidão e a comunhão, a nível sonoro atirou-se de cabeça a estímulos do exterior. "Look at the speed out there/ It magnetizes me to it", confessa em "Enjoy", e essa sensação de descoberta urgente ainda é palpável num disco que só perde algum fulgor no final, este mais virado para dentro, com "Cover Me" e "Headphones" - apontamentos curiosos mas que resistem melhor no contexto do álbum do que ouvidos isoladamente.
Já "It's Oh So Quiet", embora marque pontos pela aposta no inesperado e seja dos temas mais emblemáticos desta fase, destoa no alinhamento ao trazer a pompa de uma big band sem acrescentar muito à versão de Betty Hutton, dos anos 50 - e acaba por ser dos momentos musicalmente mais conservadores. Não que alguma destas faixas comprometa (longe disso), aquele que ainda está, duas décadas e meia depois, entre os episódios de menção obrigatória de uma discografia tão inimitável como irregular.