Tanto no EP de estreia, "Toxic Femininity" (2018), como no sucessor, "Lashes in a Landfill" (2019), FAUNESS mostrou saber conciliar sensibilidade pop e algum experimentalismo, apresentando-se com um conjunto de canções que a tornaram num dos nomes mais promissores surgidos no Reino Unido nos últimos anos.
Infelizmente, a londrina (que não revela o nome nem a idade) também continua a ser um dos segredos mais bem guardados dentro e fora de portas, ainda que a sua música pudesse facilmente conquistar admiradores de Grimes ou Let's Eat Grandma.
O novo single, "DREAMCATCHER", acrescenta pistas novas e estimulantes a uma identidade em construção, ao reforçar a melancolia enquanto opta por um loop de guitarra em vez das camadas de sintetizadores habituais até aqui.
A voz, mais angelical do que nunca, ajuda a moldar um belo regresso de linhagem dream pop, e o arranque acústico também se mantém no lado B "Violent Flame", que acaba por ir incluindo texturas mais complexas e distorcidas (embora não supere o frenesim de arpas e electrónica de "White River", um dos rebuçados mais saborosos e agridoces deste percurso). O videoclip, que tal como os anteriores é protagonizado pela cantora, volta a conjugar solidão, alienação e inocência:
Falar de questões sérias sem se levar demasiado a sério: é esta a proposta de Michaela Coel em "I MAY DESTROY YOU", cuja primeira temporada estreou esta segunda-feira na HBO Portugal e olha para a fronteira entre consentimento e abuso nas relações de hoje.
De pequenas participações em "Top Boy" ou "London Spy" a papéis de maior protagonismo em "Black Mirror" e "Black Earth Rising", Michaela Coel tem reforçado a presença no pequeno ecrã nos últimos anos (e pontualmente no grande, incluindo "Star Wars: Episódio VIII - Os Últimos Jedi"). Mas foi com "Pastilha Elástica" (2015), série da sua autoria (e bem aconselhável), disponível na Netflix, que a britânica de ascendência ganesa conciliou as suas valências de actriz com a de argumentista, funções que volta a assumir na sua nova aposta, agora através da BBC e da HBO, da qual é ainda uma das realizadoras.
O humor e o sexo, dois dos ingredientes-chave da produção antecessora, também marcam os 12 episódios de um relato parcialmente auto-biográfico, embora a componente dramática possa sair a ganhar numa história que parte de uma situação de abuso sexual vivida pela protagonista, uma escritora londrina na fase inicial da carreira (novamente interpretada pela própria autora).
Não é uma mudança de rumo inesperada, considerando que Cole se destacou entre as vozes inconformadas do movimento #MeToo (em 2018, quando confessou que foi vítima de violação), mas ao contrário de outras ficções sobre o tema inspiradas em casos verídicos, esta não parece ficar limitada a um mero objecto de denúncia. Durante boa parte do tempo, o primeiro episódio até lembra mais a leveza e descontração de "Insecure" outra série recente (e também da HBO) centrada no quotidiano afectivo e profissional de uma jovem mulher negra, urbana e cosmopolita, do que um drama assombrado pelo peso de um trauma.
Em menos de meia-hora, o arranque desenha não só o intrincado círculo de figuras próximas da personagem principal como dá conta das pressões laborais a que é sujeita, muito por culpa de uma estadia em Itália que deveria ter servido para a escrita do seu segundo livro e acabou por encorajar a procrastinação - além de um flirt que promete ser reatado.
O facto de "I MAY DESTROY YOU" não julgar a protagonista, mesmo que exponha as suas limitações profissionais, é um bom indicador de que Coel poderá ser capaz de evitar um território ardiloso de vítimas e agressores estereotipados. E além das ramificações do desfecho abusivo e desconcertante de uma noite de festa, copos e drogas, a série dá sinais de querer explorar elementos presentes nas relações contemporâneas a partir das personagens secundárias, do questionamento da monogamia às novas dinâmicas criadas pela profusão de aplicações de encontros. Agora é esperar, semana a semana, que o resultado esteja à altura da ambição e das pistas habilmente lançadas pelo piloto.