Nem tudo foi mau em 2020 e a oferta de pop electrónica nacional aí esteve para o provar. Do humor de David Bruno ou PZ à melancolia de Vatsun, do apelo dançável de Electric Man às promessas Spicy Noodles ou GPU Panic (este a solo e nas colaborações com Moullinex), houve vários casos a acompanhar - e num departamento mais afastado do formato canção, Ghost Hunt e Stereoboy também se deram bem com sintetizadores.
Mais recente, a estreia de PAZ ATÓMICA vem juntar-se a estes e outros nomes que foram merecendo atenção ao longo dos últimos meses. Aventura a solo de Vítor Pinto - elemento dos Malibu Gas Station, participante no projecto David From Scotland, em tempos parte dos extintos O Abominável -, arranca com "SALVAÇÃO", single de descendência inegável de alguma synth-pop sombria nascida nos anos 80 que opta pelo português como idioma. E parece ser uma opção acertada, ao ajudar a moldar um primeiro single intrigante enquanto deixa curiosidade de ouvir mais em 2021. O videoclip, a preto e branco e nascido de imagens de vários realizadores, ajuda a confirmar a boa impressão inicial:
Merecia estreia nas salas de cinema, mas acabou por chegar a Portugal apenas através do pequeno ecrã, há poucas semanas. "SOUND OF METAL", de Darius Marder, está disponível no Amazon Prime Video e é muito bem defendido por um Riz Ahmed em estado de graça.
Como lidar com a perda da audição? É esse o ponto de partida de um estudo de personagem centrado num baterista que deixa de conseguir ouvir de forma repentina, caindo numa espiral descendente à medida que a sua rotina sofre danos irreparáveis.
Mas mais do que o embate com a surdez, esta estreia na ficção de um realizador vindo dos documentários também deixa um olhar sobre a dependência, seja emocional (nascida de um relacionamento amoroso), de um estilo de vida (marcado pela adrenalina de concertos de um rock agreste, a caminho do noise) ou das drogas (com o vício da heroína a vincar o passado do protagonista).
Capaz de um retrato complexo da figura na qual se centra, "SOUND OF METAL" afasta-se dos moldes hollywoodescos de dramas sobre a superação da adversidade, com um conflito interior que nunca é rastilho para episódios histriónicos nem de mensagem inspiradora formatada: um bom exemplo de sensibilidade da escrita a cargo do realizador, do irmão, Abraham Marder, e de Derek Cianfrance. Este último, autor de "Como um Trovão", co-escrito por Darius Marder, chegou a desenvolver um projecto com alguns contornos semelhantes, também centrado na dinâmica de um casal/banda (os Jucifer) mas em traços documentais, no abandonado "Metalhead".
Neste drama, no entanto, a música vai dando lugar ao ruído de um design sonoro brilhante (a cargo de Nicolas Becker, que trabalhou em "Gravidade" ou "Primeiro Encontro"), ao aproximar o espectador da nova condição do protagonista, sujeitando-o à overdose de feedback e dissonâncias mundanas, opção que torna mais imersivo um filme já de si magnético pelo actor que o carrega.
Riz Ahmed, tão contido como intenso, mantém-se a milhas do overacting num papel que poderia facilmente escorregar para esse registo, sem deixar de traduzir a exasperação de alguém que se encontra num cenário incapaz de controlar e ao qual não quer adaptar-se.
É um dos grandes desempenhos do ano, a sublinhar o talento de um actor pouco favorecido nos seus filmes mais populares ("Venom", "Rogue One: Uma História de Star Wars") mas aqui valorizado por um realizador promissor, atento aos seus olhares e gestos - e não só porque um argumento que parte da surdez o pede.