Ele tinha uma quinta na América
Foi o grande filme da colheita mais recente dos Óscares e é dos que merecem ser descobertos numa sala de cinema por estes dias. Olhar sobre o sonho americano a partir da história de uma família de origem sul-coreana, "MINARI" faz com que a simplicidade pareça fácil enquanto aponta Lee Isaac Chung como um realizador a fixar.
Norte-americano de ascendência sul-coreana, Lee Isaac Chung está longe de ser um novato atrás das câmaras, como o comprova um currículo que tinha até aqui três longas de ficção, além de outras três curtas e um documentário. Mas muitos só terão ficado a conhecê-lo com o seu drama mais recente, uma das pequenas grandes surpresas da última temporada de prémios. Antes de chegar aos Óscares, onde conseguiu seis nomeações (incluindo a de Melhor Filme) e venceu na categoria de Melhor Actriz Secundária, "MINARI" começou por causar sensação logo na estreia, no Festival de Sundance, do qual saiu com o Grande Prémio do Júri e o Prémio do Público, louvores que chamaram atenções e encorajaram um percurso que manteve os aplausos.
"Labour of love" parcialmente baseado na vida pessoal do realizador durante a infância, passada numa zona rural dos EUA, este drama com pinceladas fortes (e nada forçadas) de comédia até pode parecer, à partida, mais um exemplo de cinema indie agridoce - e algum até tem feito escola em Sundance -, mas Chung vai moldando um retrato com uma voz própria ao abraçar a simplicidade sem cair em simplismos.
Sim, esta é (mais) uma história de uma família a querer singrar na América - no caso a mudar-se de uma grande cidade californiana para uma pequena localidade no Arkansas, nos anos 80 -, só que a inevitável luta contra a adversidade e a ode à resiliência fazem-se com uma harmonia emocional que lembra alguns filmes dos japoneses Hirokazu Koreeda e Yasujirō Ozu ("Tokyo Story" é uma das influências assumidas, aliás) e com uma candura e sentido de deslumbramento à altura de algumas animações dos também nipónicos estúdios Ghibli.
Caloroso sem nunca se aproximar do meloso, perspicaz e lúcido sem acusar qualquer cinismo, capaz de apontar as ilusões da "terra das oportunidades" ou o embate com a diferença sem cair no anti-americanismo primário ou no realismo social sisudo, "MINARI" diz muito sem precisar de gritar para se fazer ouvir. E isso é um bálsamo entre filmes norte-americanos desta e de outras temporadas de prémios que parecem apostar quase todas as fichas na mensagem política, racial ou social, muitas vezes repetida e sublinhada.
"MINARI" é, antes de mais, um estudo de personagens, e bastante conseguido tanto nos dilemas do casal protagonista (entre o risco abraçado pelo pai e a postura cautelosa da mãe quanto à quinta em que vivem) como no olhar do filho que guia parte da narrativa - o retrato da infância é dos mais expressivos do filme, muito por culpa do pequeno Alan S. Kim, talvez a grande descoberta do elenco.
A relação da criança com a avó, além de ser um dos alicerces dramáticos, permitiu que Yuh-Jung Youn fosse uma das surpresas dos Óscares deste ano. E pode dizer-se que a estatueta de Melhor Actriz Secundária foi bem entregue: a veterana sul-coreana convence na pele de matriarca destravada e nada formatada, como o neto não se cansa de salientar numa disputa diária, e a sua entrada em cena traz um abanão considerável à dinâmica do clã.
Mas a preponderância crescente da avó parece tirar algum tempo de antena à neta, que acaba por não ter um arco próprio, ao contrário dos outros elementos da família. Esse será, de resto, o único deslize de um drama que triunfa em várias frentes, do elenco sem reparos que conta ainda com um óptimo Steven Yeun (a confirmar uma carreira em alta depois da saída de "The Walking Dead") à delicadeza e sensibilidade da câmara de Chung (agraciada pela fotografia resplandecente de Lachlan Milne) ou à música de Emile Mosseri (emotiva, mas utilizada com conta, peso e medida). Um dos filmes do ano, mesmo que 2021 ainda não tenha chegado a meio...
4/5