Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Seguindo em frente sem esquecer o shoegaze, os Lush e Vaughan Oliver

piroshka.jpeg

Embora os Lush tenham regressado palcos e aos discos em 2016, com uma digressão e o EP "The Blind Spot" (que interromperam um silêncio mantido desde 1998), o reencontro durou pouco: voltaram a separar-se ainda no mesmo ano. Mas felizmente Miki Berenyi, uma das vocalistas dos britânicos, voltou ao activo através das canções dos PIROSHKA, supergrupo que a juntou a colegas vindos de outras bandas que marcaram o rock alternativo britânico da geração de 90: o guitarrista KJ "Moose" McKillop (dos Moose), o baixista Mick Conroy (dos Modern English) e Justin Welch (baterista dos Elastica que já tinha feito parte da última formação dos Lush, ao substituir o amigo Chris Acland, que se suicidou em 1996).

"Brickbat", o álbum de estreia, editado em 2019, era um testemunho que deixava evidente a assinatura sonora dos seus autores enquanto as letras olhavam para o cenário político da altura em tom de protesto - e o resultado foram temas aguerridos como "What's Next", "Hated By the Powers That Be" ou "Run for Your Life". Por outro lado, "Love Drips And Gathers", previsto para 23 de Julho, é um disco que promete desacelerar, com uma exploração do som e do espaço mais ancorada no shoegaze do que na escola britpop dominante no antecessor, segundo tem avançado a vocalista.

Com um título inspirado num poema de Dylan Thomas e um alinhamento que se debruça sobre o amor, a família, a pertença e a memória, o álbum foi apresentado por "Scratching At The Lid", que não se afastou muito dos ambientes do primeiro, e tem como single mais recente "V.O.", tema que já dá sinais de uma viragem e não destoaria num disco dos Lush. Entre uma marcha percussiva, guitarras e sintetizadores envolventes e a voz vaporosa de Berenyi, é dream pop feita por quem sabe e um tributo a Vaughan Oliver, designer gráfico decisivo para a identidade visual da 4AD (editora que teve nos Lush uma das suas grandes apostas). A letra da canção parte, aliás, de discursos e frases ditas no funeral do artista britânico, em Janeiro de 2020:

Quando a pop tem tensão pré e pós-quarentena

Callaz.jpg

O que há de comum em nomes como António Variações, Florbela Espanca, Moondog, Brigitte Fontaine, Paula Rego ou Anaïs Nin? Além da ligação mais óbvia - são todos figuras e referências das artes -, surgem mencionados por Maria Soromenho em "Intro Anti-Hero", faixa de abertura de "Dead Flowers & Cat Piss", o seu segundo álbum enquanto CALLAZ.

A estes (anti-)heróis pessoais homenageados na canção poderiam juntar-se outros cuja influência é evidente na obra de uma das revelações da música portuguesa dos últimos anos. A linguagem lo-fi, tensa e enigmática dos Young Marble Giants, dos Suicide ou dos Velvet Underground também teve impacto em Soromenho muito antes de a artista equacionar um percurso na música, que surgiu quase por acaso em 2017 (entre um convite de um amigo para cantar em Los Angeles e as primeiras experiências com um Casio) depois de um caminho feito na moda - incluindo experiências como styling assistant de Alicia Keys ou Peaches em Londres e o lançamento de uma marca de roupa e lenços própria.

Dead Lowers & Cat Piss.jpg

De então para cá, esta discografia viu nascer dois EPs e um primeiro longa-duração, "Callaz" (2020), produzido pelo ex-Cansei de Ser Sexy Adriano Cintra - brasileiro que também deixou os seus créditos no muito recomendável "100% Carisma", o segundo álbum de Rodrigo Vaiapraia (irmão de Soromenho), igualmente lançado no ano passado.

Já "Dead Flowers & Cat Piss" marcou a estreia na produção de Helena Fagundes (Vaiapraia e As Rainhas do Baile, Clementine), a grande cúmplice de CALLAZ durante um disco criado antes, durante e depois da quarentena em regime do it yourself - e a reforçar uma postura autodidacta. Mais coeso do que os anteriores, é uma das melhores surpresas da música nacional de 2021 até agora, ao propor uma pop electrónica guiada por alguma da new wave mais esquelética e intrigante.

Entre ambientes que vão do etéreo (no domingo de manhã pós-festa de "Berlin") ao sinuoso (na marcha de choro e riso de "Aghast"), aliados a uma voz expressiva, o alinhamento encontra a autora "exausta de melancolia" e a querer "ir para a rua celebrar a vida", como confessa em "Loucura com Horas Marcadas" - um dos temas mais directamente inspirados (ou assombrados) pela pandemia.

O peso da rotina também domina "Queria Só Excepções" e "Repetição", mantras quase sussurrados que aproximam esta música da faceta inicial de Grimes ou até de uns Cranes com menos negrume. Dentro de portas, CALLAZ parece partilhar o gosto com os Três Tristes Tigres por uma pop que não é alheia ao experimentalismo enquanto também chega a lembrar os momentos mais minimais dos esquecidos Cello (sobretudo quando canta em francês, idioma alternado com o inglês e português, às vezes até na mesma canção).

Callaz_2021.jpeg

O recurso pontual a instrumentos de corda ajudar a fazer de "Atonal Heavy Metal Song" uma das canções nacionais mais bonitas do ano e "Pas De Sexe on the Dance Floor", a fechar o disco, dá um salto (empolgante) para domínios mais dançáveis.

Editado em Fevereiro, "Dead Flowers & Cat Piss" já pedia uma apresentação ao vivo e o concerto (de entrada livre) vai finalmente acontecer esta quarta-feira, dia 30 de Junho, na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, a partir das 20h00 (com primeira parte do guitarrista mexicano Samuel Rived). Até lá, ficam as imagens de "PAS DE SEX CETTE NUIT", um dos temas do álbum, e de "SEXO", pequena delícia synth-pop e um grande pretexto para (re)descobrir o disco anterior:

Pág. 1/6