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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Da adolescência à velhice, da união à exclusão

A decorrer até 16 de Outubro, a sétima edição do QUEER PORTO divide-se por vários espaços da Invicta e continua a propor filmes LGBTQIA+ de origens diversas. Da Suíça e de Hong Kong chegaram dois de boa colheita.

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"LA MIF", de Fred Baillif: Primeira experiência na ficção de um realizador com um currículo já longo nos documentários (alguns a testar os limites do formato), este drama realista não só deixa sinais dessa escola como deriva do trabalho do suíço num centro de detenção juvenil. Baillif estudou Serviço Social (depois de uma carreira bem-sucedida como basquetebolista) e isso ajudará a explicar que este seja um filme de alguém que parece saber do que fala. Mas, mais importante, o autor também sabe como se expressar cinematograficamente num objecto que adopta uma estrutura em mosaico para traduzir o quotidiano atribulado (às vezes até histérico) de um grupo de raparigas multicultural numa casa de acolhimento.

Dedicando cada capítulo a uma personagem e recorrendo a um elenco não profissional, Baillif apostou em diálogos improvisados e nas histórias pessoais das suas jovens actrizes, sem as adaptar a papel químico. Apesar de vários percursos marcados pelo trauma e abuso (em alguns casos sexual), "LA MIF" pauta-se pela insistência na resiliência e pelo conforto possível de uma família alternativa, enquanto atira farpas à hipocrisia de um sistema incapaz de defender os mais frágeis (ou até sem grande interesse nisso), independentemente da boa vontade e perseverança dos assistentes sociais.

Todas as adolescentes impressionam pela espontaneidade das suas expressões e interações, sensação mantida no desempenho da veterana Claudia Grob, uma directora mãe-galinha (também ela com um passado a cicatrizar) que defende as suas crias mesmo quando se depara com um cenário sem resposta à vista. Vencedor do Prémio Geração do Festival de Berlim deste ano, o filme pode não trazer grandes novidades ao dispositivo da câmara à mão (embora seja abordado com eficácia) e talvez tivesse ainda mais força com um desenlace menos espalha-brasas (mesmo que bata certo com o arranque), mas é difícil passar ao lado da intensidade de alguns dos seus momentos e das muitas vozes deste coro tão expressivo como insolente.

3/5

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"SUK SUK", de Ray Yeung: Se um filme como "La Nave Del Olvido" abordou o envelhecimento e a redescoberta da sexualidade de uma mulher na edição mais recente do Queer Lisboa, o Queer Porto tem na secção competitiva de longas-metragens um drama ancorado no relacionamento de dois homens já na terceira idade (nomeado para um Teddy Award no Festival de Berlim de 2020).

O olhar sobre a velhice continua a ser raro em narrativas LGTBQIA+ (e noutras também) e até surpreende que este parta de um realizador que se concentrou em retratos de jovens homossexuais nos dois filmes anteriores. Presidente do Hong Kong Lesbian and Gay Film Festival desde 2000, o cineasta asiático inspirou-se num livro de entrevistas a gays idosos de Travis Kong e confessou ter dito dificuldades no casting dos protagonistas. Embora a homossexualidade não seja considerada crime em Hong Kong desde 2001, o estigma continua a ser evidente e torna-se especialmente pesado para homens que, como o par central do filme, já são avós (e um deles ainda vive com a mulher).

Embora o arco narrativo desta relação possa lembrar outros relatos vincados pela homofobia (do encontro à união hesitante e a uma eventual separação), "SUK SUK" nunca deixa de convencer pela genuinidade das figuras e situações que acompanha. O lado verista é tão forte na dinâmica da relação principal como nos núcleos familiares dos dois homens, distintos mas igualmente complexos, e desse contraste sobressai um conflito identitário que o filme desenvolve sem dramatismos supérfluos, idealizações fáceis ou juízos de valor (das principais às secundárias, todas as personagens se mostram imunes à caricatura).

A direcção de actores ajuda, assim como a câmara de Yeung, atenta aos olhares, gestos e silêncios e à esfera pública e privada de uma cidade que pode ser hostil para os desajustados. Nesse aspecto, é interessante o espaço que o filme vai dedicando a uma associação que tenta encontrar um refúgio para homens homossexuais abandonados pelas famílias, um destino que os protagonistas temem e que informa directamente as suas decisões - se é para o melhor ou para o pior, caberá ao espectador decidir.

3/5

A época (e a música) das bruxas

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O Halloween está aí à porta e, talvez não por acaso, o novo álbum das KAELAN MIKLA também. A música do trio islandês parece ter sido feita para o Dia das Bruxas, mas tem a vantagem de ser uma banda sonora igualmente envolvente para a estação Outono/Inverno em geral. E a nova fornada chega já esta semana: "Undir köldum norðurljósum", o quarto álbum, tem lançamento agendado para 15 de Outubro e é o primeiro desde o registo que deu maior projecção internacional ao grupo de Reiquiavique, o surpreendente "Nótt eftir nótt" (2018) - que contou com os Cure ou os Placebo entre os admiradores.

A procissão para o disco arrancou em Abril, com "Sólstöður", single inspirado pelo solstício de Inverno e que acrescentou gritos e coros às palavras da vocalista (na língua materna, como sempre). "Ósýnileg" e "Stormurinn" alimentaram, depois, a fé no novo longa-duração enquanto deram mais provas de uma banda com uma abordagem muito particular a ambientes góticos, darkwave ou do pós-punk mais sombrio.

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"HVÍTIR SANDAR", o último avanço, é ainda mais especial ao nascer de uma colaboração com os ALCEST que, ao contrário do que seria de esperar, está longe da faceta intempestiva associada aos pós-black metal dos franceses. Até acaba por ser, na sonoridade, dos temas mais contidos das KAELAN MIKLA, o que não deve ser confundido com falta de intensidade - tanto pela letra, a falar de auto-aceitação e demónios interiores, como pela atmosfera densa nascida de percussão vincada e uma amálgama nebulosa de guitarras e sintetizadores.

O videoclip, dos mais plasticamente elaborados das islandesas, ilustra a viagem existencial através de uma metamorfose tingida a negro: