Um novo álbum de BOYS NOIZE talvez já não gere tanto entusiasmo entre os adeptos da música de dança mais efusiva como há uns 15 anos, quando o projecto de Alex Ridha se fez notar pela conjugação (e muitas vezes colisão) de electro, techno ou house em discos como "Oi Oi Oi" (2017).
Mas ainda vai valendo a pena seguir os passos do músico, produtor e DJ alemão de ascendência iraniana, como o confirmam muitas faixas de "+/-", o seu novo álbum, que acabou ofuscado entre os lançamentos da rentrée. Da descendência da electrónica maximal que lhe deu fama a episódios mais contidos e melódicos, o alinhamento rege-se pelo jogo de contrastes sugerido no título e tem na guest list gente como Chilly Gonzales, Ghost Cuture, Rico Nasty ou Tommy Cash.
Entre altos e baixos (ironicamente, também aí o disco faz jus ao título), os primeiros casos saem a ganhar aos segundos e têm sido valorizados nas escolhas dos singles.
"All I Want", com Jake Shears, foi um avanço inicial aliciante e as apostas recentes brilham ainda mais: "LOVE & VALIDATION" traz a voz de KELSEY LU (que também participa em "Ride or Die") , conta com ajuda na produção dos Soulwax e propõe com uma mistura insinuante de R&B, ambientes trip-hop e pop electrónica que tem acompanhamento visual certeiro no videoclip; "AFFECTION" convida ABRA para uma canção mais retro e dançável, nascida de heranças dos anos 80 e das raízes do electro e hip-hop. Ficam ambas a milhas dos disparos de adrenalina da faceta mais reconhecível de Ridha, mas o resultado está longe de ser uma má troca:
Conduzido por uma Penélope Cruz em estado de graça, "MÃES PARALELAS" é mais um olhar sobre as mulheres, e sobretudo a maternidade e a herança familiar, que continua a colocar um filme de Pedro Almodóvar entre as estreias a não perder - mesmo que pudesse ter sido (ainda) melhor.
Penélope Cruz ganha um brilho especial quando se entrega à câmara de Almodóvar e o novo filme do espanhol não vem desmentir essa alquimia mantida há mais de duas décadas. Nesta altura, a colaboração será, por si só, motivo mais do que suficiente para querer espreitar "MÃES PARALELAS", e a actriz confirma-se entre os trunfos ao viver uma mulher tão contraditória como as melhores personagens a que o autor de "Fala com Ela" ou "A Lei do Desejo" nos habituou.
Janis, assim se chama a protagonista (e qualquer ligação a outra famosa Janis não será coincidência), está no centro narrativo e temático de um drama que tanto acompanha a sua aventura na maternidade, a surgir de forma abrupta e a desenvolver-se de modo conturbado, como salta para um retrato mais amplo ao trazer memórias de um passado espanhol ainda por cicatrizar, com as marcas mais traumáticas (e trágicas) do franquismo.
Se por um lado esta conjugação torna "MÃES PARALELAS" num filme particularmente ambicioso, este é um relato que resulta mais convincente quando segue de perto a relação de Janis com outra mãe solteira, mais jovem, que conheceu no hospital e da qual não se afastará tão cedo quanto pensava.
Quando se centra no elo entre essas duas mulheres, o filme propõe uma jornada às vezes rocambolesca, e que noutras mãos se tornaria telenovelesca, mas que Almodóvar conduz com mestria formal e equilíbrio emocional, entre enquadramentos meticulosos na qual a sua assinatura facilmente se adivinha, cores garridas e direcção artística esmerada. E o espanhol tempera com ambiguidade moral uma história avessa a heróis e vilões, sejam as personagens homens ou mulheres, ainda que o feminismo não deixe de ser evidente (e até literal, como o expressa uma t-shirt vestida por Janis).
Entre a pulsação do melodrama, injecções oportunas de humor e sugestões de terror psicológico (reforçadas pela banda sonora hitchcockiana do cúmplice de longa data Alberto Iglesias, a prometer um drama de faca e alguidar a certa altura), "MÃES PARALELAS" deixa um retrato envolvente de duas mulheres à beira de um ataque de nervos (ou até já para lá dele) amparado nos talentos de Cruz e de outras "chicas" igualmente dignas de aplauso: a revelação Milena Smit, credível na pele de uma jovem compassiva a tentar encontrar o seu lugar; a veterana Aitana Sánchez-Gijón, a dar espessura a uma mãe longe de idealizada (mas que não pede desculpa por isso nem é julgada pelo realizador); e a habitual Rossy de Palma, numa personagem que, não sendo essencial nesta história, dispara algumas das melhores tiradas.
É pena, por isso, que a tensão dramática esmoreça quando Almodóvar se desvia para a questão da memória histórica e dos desaparecidos durante a Guerra Civil Espanhola, cenas em que o filme acusa demasiado o tema e nas quais nunca atinge o mesmo fulgor criativo.
A recta final é especialmente anticlimática, ao trocar a desenvoltura e inspiração da trama doméstica pelas boas intenções, fazendo conviver duas histórias cujo entrosamento demarca a relação entre o passado, o presente e o futuro no destino de Janis, mas que limita o potencial do filme. Também não ajuda que os conflitos entre as duas mães sejam resolvidos de forma demasiado conveniente, longe do Almodóvar mais intenso e visceral, mesmo que este sobressaia em sequências anteriores - e quando isso acontece, vislumbra-se a diferença entre um drama bem acima da média e o que poderia aproximar-se de uma obra-prima. O que não quer dizer que "MÃES PARALELAS" deixe de ter lugar cativo entre as estreias obrigatórias de 2021...