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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Agarrem(-se) que é canção (e das boas)

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As canções dos A PLACE TO BURY STRANGERS podem não abrir portas para mundos por desbravar no cruzamento de shoegaze, pós-punk, psicadelismo ou aproximações ao noise, mas o projecto de Oliver Ackermann tem sido dos mais confiáveis a assegurar esse encontro de géneros nos últimos anos. Sobretudo quando o resultado é efervescente, como é o caso do novo single.

Sucessor do relativamente contido (para os parâmetros da banda) "Let's See Each Other", revelado em Novembro, "HOLD ON TIGHT" diz logo ao que vem no título. E não engana, num dos acessos mais desopilantes dos nova-iorquinos em muito tempo, nascido de guitarras distorcidas que lembram a "wall of sound" de uns Jesus and Mary Chain (ou de descendentes como os Black Rebel Motorcycle Club) enquanto aceitam sugestões industriais.

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Se o single anterior já prometia, este é motivo para colocar "See Through You", o sexto álbum do grupo, entre os lançamentos a considerar em 2022 - está previsto para 4 de Fevereiro. E também reforça o voto de confiança na nova formação, a juntar Ackermann ao baixista John Fedowitz e à baterista Sandra Fedowitz, que já tinha editado um EP este ano ("Hologram", que saiu em Julho).

Fica a faltar a prova deste poderio em palco, território em que a banda é particularmente elogiada. Mas há a versão possível no novo videoclip, no qual o trio surge como testemunha musical de um relacionamento amoroso com uma tensão à medida do tema:

Os amantes passageiros

Com charme, humor e inteligência bem doseados, "AS COISAS QUE DIZEMOS, AS COISAS QUE FAZEMOS" é um regresso feliz de Emmanuel Mouret. Entre a comédia e o drama, o filme chegou cá na Festa do Cinema Francês e tem direito a passagem (infelizmente breve) pelo circuito comercial.

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Embora mantenha uma obra prolífica desde finais dos anos 90, Emmanuel Mouret não tem sido um habitué nas salas portuguesas, apesar de algumas estreias pontuais - e de o seu filme anterior, "Madame de Jonquières", estar disponível no catálogo da Netflix. Mas quem chegar à filmografia do realizador francês através do seu título mais recente talvez fique com curiosidade de espreitar o que está para trás.

Como outros dos seus filmes, "AS COISAS QUE DIZEMOS, AS COISAS QUE FAZEMOS" chega com comparações aos universos de Éric Rohmer ou Woody Allen, desde logo pela aposta forte nos diálogos - elemento privilegiado para a entrada neste retrato de uma certa burguesia francesa -, mas também pelo perfil romanesco cruzado com uma ironia muitas vezes certeira.

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Por muito que essa descendência até possa ser assumida, seria injusto reduzir este novelo singular de personagens e relações ao trabalho de um mero aluno aplicado. Mouret tem mesmo uma das abordagens mais originais e refrescantes dos últimos tempos às inquietações amorosas, com o mérito de não se levar muito a sério mas também de não olhar de cima para as angústias destes amantes e amados, traidores e traídos, que tão depressa estão juntos como se separam.

Partindo da chegada de um jovem tradutor (e aspirante a escritor) à casa de um primo ausente, na qual é recebido pela companheira grávida deste, "AS COISAS QUE DIZEMOS, AS COISAS QUE FAZEMOS" vai cruzando relatos amorosos dessas duas personagens e apresentando outras figuras, algumas à partida secundárias embora acabem por protagonizar, mais à frente, arcos narrativos destas cerca de duas horas que se percorrem sem esforço.

As Coisas Que Dizemos, As Coisas Que Fazemos.jpg

Mouret mostra-se hábil na construção de um argumento fluído, não deixando que o espectador se perca na sucessão de (des)encontros em que o bem de uns implica quase sempre o mal de outros. Assim vai o amor? É uma visão possível, ainda que o tom esteja longe de ser cínico ou ancorado em percursos deterministas, cruzando um registo de farsa com desorientação existencial sem nunca fingir discutir mais do que problemas de primeiro mundo.

Apoiado num elenco coeso - liderado por Niels Schneider, Camélia Jordana, Vincent Macaigne e Emilie Dequenne - e num sentido de espaço que convence tanto nas cenas rurais como nas urbanas (intercaladas ao longo da acção), "AS COISAS QUE DIZEMOS, AS COISAS QUE FAZEMOS" está a milhas de um filme verborreico onde as palavras esmagam o cinema, mesmo que Mouret pudesse ter sido mais criterioso a dosear o recurso a música clássica em muitas cenas. E se na recta final talvez dê mais respostas do que precisava, até lá deixa um retrato ao qual não falta savoir faire, elegância e poder de sedução. Que volte depressa às salas portuguesas, e durante mais tempo...

3,5/5