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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

A herdade está lá fora

Drama familiar cruzado com vénias ao western e intromissões sci-fi, "OUTER RANGE" é a nova série da Amazon Prime Video. Protagonizada por Josh Brolin, confirma que a produção norte-americana mais criativa do momento chega sobretudo através do pequeno ecrã.

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Brian Watkins não se sai nada mal no arranque da primeira série que criou, escreveu e produziu. Os dois episódios iniciais de "OUTER RANGE" demoram o seu tempo a dizer ao que vêem e não fazem questão de fisgar o interesse do espectador com abanões narrativos de cinco em cinco minutos, mas recompensam a sua disponibilidade com uma das estreias televisivas mais curiosas dos últimos tempos.

A partir de uma herdade isolada no Wyoming, a aposta que tem Brad Pitt entre os produtores executivos acompanha o dono da propriedade, Royal Abbott (Brolin, em modo seco e circunspecto), e os problemas que vai acumulando tanto na vida familiar (o desaparecimento misterioso da nora, um conflito que envolve os filhos) como comunitária (quando um vizinho se aproveita de uma lacuna jurídica para disputar parte do seu terreno). Mais insólita é a descoberta de um buraco negro na sua quinta, com névoa no centro e uma profundidade difícil de aferir, que se arrisca a ser tornada pública quando uma visitante inesperada acampa na zona.

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A meio caminho entre uma premissa que caberia em "The Twilight Zone" e algumas visões de Stephen King, quando parece aceitar contornos sobrenaturais, "OUTER RANGE" é, no entanto, quase sempre mais terrena do que esotérica - embora deixe no ar que a presença da ficção científica vai sair reforçada nesta primeira temporada de oito episódios.

Para já, Watkins dá prioridade à dinâmica familiar dos Abbott, do peso de um trauma ao qual se junta uma tragédia repentina às inquietações morais que acabam por dominar tanto os pais como os filhos (e que potenciam um olhar sobre a espiritualidade e as angústias da religião). E se Brolin traz por si só autoridade e peso dramático, lidera um elenco sólido no qual se destacam outros veteranos como a sempre confiável Lili Taylor, a matriarca do clã, e Will Patton, a perfilar-se como um dos antagonistas.

Imogen Poots, Lewis Pullman e Matt Lauria estão entre os nomes da geração seguinte, à qual também pertence o mexicano Alonso Ruizpalacios, o realizador de "Güeros" (2014), "Museu" (2018) e "A Cop Movie" (2021), que dirigiu os dois primeiros episódios e sabe conciliar realismo, sentido atmosférico e sugestões metafísicas. Vale a pena espreitar esta reunião desafiante de géneros e talentos.

Os dois primeiros episódios de "OUTER RANGE" estão disponíveis na Amazon Prime Video desde 15 de Abril. A plataforma de streaming estreia dois novos capítulos todas as sextas-feiras.

Do shoegaze à pop mais luminosa

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Inspirada pelos Cocteau Twins ou My Bloody Valentine, Harriette Pilbeam, mais conhecida como HATCHIE, tem juntado melodia e distorção (controlada) desde o EP de estreia, "Sugar & Spice" (2018), cujo título já aludia a essa dualidade. "Keepsake" (2019), o primeiro álbum, manteve-se entre as fronteiras da dream pop e do shoegaze, com resultados tão simpáticos como derivativos, sem acrescentar muito a esses universos mas a deixar algumas faixas promissoras.

Mais intrigante foi a versão da australiana para "Crush", êxito de Jennifer Paige, que enveredou por territórios sombrios e conseguiu dar peso e textura a uma canção descartável. E também confirmou o interesse da cantautora pela música dos anos 90, influência que os singles mais recentes têm confirmado. Se "Quicksand" ainda teve ecos da synthpop da década anterior, "Giving the World Away" regressou às noites dançáveis de Manchester (aquelas vividas pelos Happy Mondays) enquanto que "This Enchanted" seguiu o livro de estilos de uns The Sundays ou Lush (da fase mais garrida).

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Mas o single mais convicente de "Giving the World Away", o segundo álbum - que pode ser ouvido já a partir desta sexta-feira, 22 de Abril - é mesmo "LIGHTS ON". Canção irresistível, mostra a escrita, produção e interpretação da australiana a atingir o ponto de rebuçado, naquele que é talvez o seu melhor momento até agora (juntamente com a brilhante revisão de "Crush").

Para essa alquimia também contribui Jorge Elbrecht, produtor e co-compositor do disco, que tem um longo percurso em territórios do shoegaze - incluindo colaborações proveitosas com Tamaryn, cuja faceta mais pop não anda longe deste single. Depois de uma confecção tão elaborada, com refrão infeccioso e camadas que recompensam audições repetidas, a curiosidade em torno do álbum aumenta substancialmente. Em todo o caso, uma das canções mais bem-vindas do semestre já lhe pertence: