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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Caso de polícia

Candidato brasileiro ao Óscar de Melhor Filme Internacional deste ano, "DESERTO PARTICULAR" mostra que a viagem de autodescoberta ainda é território cinematográfico fértil - e ocupado com singularidade por Aly Muritiba, na sua terceira longa-metragem.

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Começa como drama familiar em ambiente urbano, faz-se à estrada numa fuga para a frente, ganha contornos film noir e acaba por abraçar um romantismo lânguido, sem nunca abandonar as inquietações das personagens pelo caminho.

É de facto bem particular, o mais recente filme de Aly Muritiba, sucessor de "Nós por Nóis" (2019) e "Jesus Kid" (2021), que não tiveram direito a passar pelas salas nacionais. Mas esta terceira longa-metragem, uma co-produção com a portuguesa Fado Filmes, faz querer conhecer mais de um realizador que também tem uma experiência considerável nas curtas (algumas em registo documental) e já passou pela televisão (dirigiu episódios de séries como "A Irmandade", disponível por cá na Netflix).

A jornada parte do quotidiano de um polícia de Curitiba, Daniel, a passar por uma fase particularmente conturbada - pela atenção que tem de dedicar ao pai, com uma saúde cada vez mais frágil, e sobretudo pelo julgamento iminente devido a um processo disciplinar. Ainda assim, há uma luz ao fundo do túnel: Sara, com quem mantém uma relação virtual sem ter conhecido pessoalmente. Mas quando deixa de ter notícias dela, decide partir para a Bahia à sua procura, deixando em suspenso um dia a dia que se tornava asfixiante.

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Revelar mais sobre os contornos da narrativa de "DESERTO PARTICULAR" será quebrar uma das suas maiores qualidades: a de deixar o espectador tão descoordenado como o protagonista, num filme que se mostra mais aliciante enquanto vai mantendo questões em aberto. Muritiba acompanha a busca de Daniel com um sentido atmosférico impressionante, que não se limita ao mero exercício de estilo e tem uma relação próxima com a solidão, a obsessão e a transição do estado emocional de um homem com um histórico de violência e repressão.

Valendo-se da fotografia granulada e hipnótica de Luis Armando Arteaga e de enquadramentos precisos, atentos à linguagem e forma dos corpos, além de um desenho de som notável, o realizador propõe uma viagem com uma carga sensorial invulgar por um Brasil de extremos, atravessado por abusos da máquina policial, domínio evangélico, conservadorismo, machismo ou homofobia.

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O mergulho no país profundo aliado a uma energia visual intrigante lembra a espaços outros exemplos do cinema conterrâneo recente, caso de "Boi Neon", de Gabriel Mascaró, ou "Vento Seco", de Daniel Nolasco, embora "DESERTO PARTICULAR" seja menos hermético do que o primeiro e bem mais contido do que o segundo.

Durante a primeira metade, Muritiba parece querer desenhar um policial de câmara, mas a entrada em cena de uma nova personagem muda as regras do jogo de forma substancial. Curiosamente, a troca do retrato do perseguidor pelo do perseguido está muito próxima do que acontece no óptimo "A Lei de Teerão", de Saeed Roustayi, também em cartaz, outro filme que recusa olhar os protagonistas de cima (apesar dos seus eventuais deslizes morais). Mas se essa mudança alarga o potencial narrativo, acaba por se revelar frustrante quando abre a porta a um terceiro acto demasiado esquemático, com facilitismos de argumento que ameaçam reduzir "DESERTO PARTICULAR" a uma história inspiradora motivada por boas intenções.

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Se é louvável que Muritiba evite a vitimização de uma personagem ostracizada, a resolução dos conflitos dramáticos é mais abrupta e simplista do que o filme dava a entender até aí, obrigando a uma suspensão da descrença (já sugerida por episódios anteriores) a que talvez alguns espectadores não estejam dispostos. Os que aderirem, no entanto, encontrarão aqui uma das estreias mais curiosas deste Verão - e brilhante a vários níveis.

Além da solidez formal, para a qual contribui a portuguesa Patrícia Saramago na montagem, destaque ainda para um elenco no ponto. Sobretudo para Antonio Saboia e Pedro Fasanaro, ambos na sua primeira experiência como protagonistas em cinema, e Thomas Aquino, num papel secundário no qual volta a salientar-se como um dos grandes actores brasileiros do momento.

3/5

Uma canção para dar luz a tempos turvos

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Depois de terem precisado de alguns anos para editar o álbum de estreia, "925" (2020), os SORRY não vão demorar tanto a fazer chegar o longa-duração sucessor. "Anywhere But Here" foi anunciado esta semana, conta com co-produção de Ali Chant e Adrian Utley (dos Portishead) e tem lançamento apontado para 7 de Outubro.

Os britânicos já tinham regressado às edições no ano passado, com o EP "Twixtustwain", e também revelaram o single "There’s So Many People That Want To Be Loved" há poucos meses. Com a notícia do novo disco, divulgaram agora "LET THE LIGHTS ON", facilmente uma das suas canções mais orelhudas e optimistas, a deixar de lado parte do cinismo e do tom lacónico pelos quais o seu rock de travo indie se tem distinguido.

Canção de amor na qual o desejo de evasão é potenciado por uma pista de dança, tem ritmo à medida no convívio saltitante de guitarras, bateria ou piano e no entusiasmo da voz de Asha Lorenz e dos coros que a acompanham. Os saltos mantêm-se no videoclip, mas a agitação talvez não gere grandes réplicas num álbum que a banda descreve como mais áspero do que o primeiro. Aproveitemos esta luz enquanto dura, então: