A postura feminista faz parte do ADN das DREAM WIFE desde as primeiras canções do trio - a banda nunca escondeu que a escola riot grrrl e figuras como Kathleen Hanna (Bikini Kill, Le Tigre) são das suas maiores referências -, mas nunca se expressou de forma tão directa e visceral como no novo single.
"Ya boys gonna let the girls play or are they merely ornaments on display?", questina a vocalista Rakel Mjöll em "LEECH", sem esperar uma resposta enquanto dispara um dos manifestos rock mais portentosos do momento. "Just have some fucking empathy", repete aos gritos.
Entre crescendos e explosões de guitarras, o primeiro tema do grupo desde o segundo álbum, "So When You Gonna..." (2020), é um exercício de catarse descrito como um hino à tolerância. O tom enraivecido parte directamente de audições atentas de discos de Patti Smith e PJ Harvey (da fase austera de "Rid of Me"), que foram a banda sonora quotidiana do trio de uma islandesa e duas britânicas durante o reencontro criativo.
Apesar dessa influência assumida, a canção parece estar a meio caminho entre o spoken word tenso de Sinead O'Brien (uma das revelações do ano) e a vertigem dos Yeah Yeah Yeahs de outros tempos. E também está substancialmente distante de singles anteriores do grupo, como "Lolita" ou "Somebody". Se é sinal de uma viragem a confirmar num terceiro álbum, ainda não sabemos, mas chega e sobre para aplaudir este regresso:
A descoberta do prazer sexual de uma mulher de meia-idade e a relação atribulada entre dois homens estão no centro de duas (boas) comédias em cartaz. Uma mais romântica do que outra, ambas a merecer a ida às salas de cinema.
"BOA SORTE, LEO GRANDE", de Sophie Hyde: Se para Godard uma mulher e uma arma eram suficientes para fazer um filme, para a realizadora de "52 Tuesdays" (2013) e "Animals" (2019) uma mulher, um homem e um quarto bastam. Pelo menos no título mais recente da australiana, no qual a única arma a apontar são mesmo os diálogos.
Motor narrativo de um encontro que à partida se limitaria ao sexo, a palavra quase nunca sai de cena nesta comédia falsamente romântica ancorada nos encontros entre uma mulher de meia-idade e um jovem trabalhador do sexo num hotel londrino. Ela, uma viúva e professora recém-reformada, tenta conhecer os prazeres do corpo dos quais se viu arredada num longo (e único) relacionamento amoroso - sem direito a experienciar um orgasmo nessa vida a dois. Ele, tão cordial e atencioso como sedutor e esquivo, escuta pacientemente os seus desabafos que expõem inquietações, dúvidas ou constrangimentos que acabam por iniciar uma cumplicidade reforçada em vários episódios.
Filme de câmara que nunca abdica do minimalismo de espaços e personagens, "BOA SORTE, LEO GRANDE" consegue esquivar-se às acusações de teatro filmado que poderiam minar um projecto destes contornos - basta ver como Hyde é meticulosa quanto ao que e quando mostrar nas cenas de nudez e/ou sexo. Escrito pela comediante britânica Katy Brand, deve boa parte do seu charme não só aos diálogos vivos dos quais se alimenta mas também à química decisiva entre Emma Thompson e Daryl McCormack, ambos com carisma suficiente para que esta história viva sobretudo das suas interações.
Thompson tem aqui um dos seus papéis mais fortes em anos (e dos mais corajosos, em particular numa cena perto do fim) ao revelar as camadas de uma mulher madura que se confronta com o envelhecimento, o corpo, o desejo, a vergonha ou a culpa. Já McCormack é uma revelação num desempenho no qual faz muito mais do que reagir à performance de uma actriz de créditos firmados, passando de ouvinte a instigador, de um estereótipo a uma figura de corpo inteiro.
Dessa entrega e generosidade partilhadas nasce um filme menos ligeiro do que pode parecer à partida, sem deixar de se manter espirituoso durante boa parte do tempo. Só perto do final, quando troca a comunhão pelo conflito, é que "BOA SORTE, LEO GRANDE" perde alguma graça e espontaneidade, numa viragem pouco verosímil que faz notar a mão pesada da argumentista. Felizmente, é uma fragilidade dramática que o desfecho consegue corrigir, retomando a via cómica sem tirar peso a um relato envolvente e caloroso.
3/5
"BROS - UMA HISTÓRIA DE AMOR", de Nicholas Stoller: Para o melhor e para o pior, o novo filme de "Um Belo Par de... Patins" (2008) ou "Má Vizinhança" (2014) nunca tenta enganar ninguém: é declaradamente uma comédia romântica e sujeita-se ao formato expectável de aproximação, afastamento e reconciliação da dupla protagonista. Mas o facto de o casal ser composto por dois homens, ainda uma raridade num filme de um grande estúdio em 2022 (sobretudo neste registo), é logo suficiente para esta história de amor se diferenciar dentro do género. Sobretudo quando o filme, escrito e protagonizado por Billy Eichner, é bastante certeiro a apontar especificidades dos relacionamentos gay, com um humor muitas vezes autodepreciativo (e autoconsciente) que desmonta estereótipos e tem uma visão despudorada da intimidade e da sexualidade.
"BROS - UMA HISTÓRIA DE AMOR" mostra-se particularmente astuto na primeira metade, quando aponta o dedo, quase sempre de forma hilariante, aos preconceitos e contradições da própria comunidade LGBTQIA+ a partir do quotidiano de um podcaster e director de um museu que, chegado aos 40 anos, acreditava já não ser capaz de se apaixonar.
"Gay aos 40 Anos" ou "Aguenta-te aos 40" podiam ser, aliás, títulos alternativos desta comédia romântica produzida por Judd Apatow e que partilha alguns defeitos e virtudes com a obra do norte-americano: se a realização, embora competente, é pouco imaginativa, para não dizer televisiva (e logo quando a Netflix apostou em "Uncoupled", série com Neil Patrick Harris na pele de outro homossexual quarentão à procura do amor), o foco num protagonista neurótico, presunçoso e de humor cáustico é ousado q.b. - e vem acompanhado de um abraço sentido a uma vasta (e diversificada) galeria de secundários.
Aludindo aos arquétipos consolidados em "clássicos" com Meg Ryan e disparando farpas às produções pasteurizadas do Hallmark, Eichner dilui a irreverência e a transgressão num terceiro acto obrigatoriamente mais previsível, aderindo de forma deliberada às regras do jogo de comédias românticas com o grande público na mira. Mas quem souber ao que vai verá essa opção mais como feitio do que como defeito, sobretudo quando o protagonista (reflexo nada disfarçado do argumentista) sublinha que um relacionamento gay também tem direito a um final feliz no cinema - e nos seus próprios termos e condições.
Em paralelo, "BROS - UMA HISTÓRIA DE AMOR" não se esquece de quem ajudou a abrir caminho para que um filme assim fosse possível, numa homenagem breve mas determinante a activistas históricos que não surge como elemento estranho na trama amorosa. Já é mais do que se pode dizer de muitas comédias despejadas nos multiplexes, românticas ou nem por isso...