Hoje o jazz, amanhã a folk e os Cardigans lá bem para trás
30 anos depois da formação dos Cardigans, o tempo não parece ter passado por NINA PERSSON. No concerto na sala Lille VEGA, em Copenhaga, a cantora sueca surgiu acompanhada por MARTIN HEDEROS (piano) e NILS BERG (saxofone) e mostrou que a sua voz se mantém intacta ao revisitar canções da banda, da sua obra a solo ou de terceiros.
Começou por se destacar através de uma pop arejada de travo twee e lounge em "Emmerdale" (1994), o primeiro álbum dos Cardigans, mas enquanto vocalista do grupo também experimentou sonoridades mais densas, na viragem electrónica surpreendente de "Gran Turismo" (1998), antes de se deixar encantar pela folk e pela country, belissimanente vincadas em "Long Gone Before Daylight" (2003). E embora a banda que a revelou não tenha gravado novas canções desde "Super Extra Gravity" (2005), tendo voltado a juntar-se apenas para concertos pontuais sem inéditos, a sua voz doce (mas amiga íntima de letras com alguma acidez) continuou a ser escutada em discos do projecto A Camp (ao lado do marido, o compositor Nathan Larson, e do guitarrista Niclas Frisk), de um álbum a solo ("Animal Heart", de 2014) e de várias colaborações ao longo dos últimos anos (com os Manic Street Preachers, Sparklehorse, James Ilha ou Local Natives, entre muitos outros).
Mais recentemente, NINA PERSSON tem descoberto outras vias a explorar num percurso já versátil q.b., e uma delas passa pelo jazz. Desafiada pelo compositor e multi-instrumentista Nils Berg, um dos principais nomes suecos do género, sujeitou canções do seu catálogo a novas abordagens, aproveitando para juntar versões de terceiros numa pequena digressão que percorreu palcos de países nórdicos.
A 16 de Outubro, actuou na sala Lille VEGA, uma das principais de Copenhaga, num concerto esgotado. Sentadas num espaço acolhedor, em alguns casos com copos de vinho a acompanhar, o público, maioritariamente próximo da sua faixa etária (a cantautora tem hoje 48 anos), acolheu com entusiasmo as canções e as pequenas histórias em torno delas que a anfitriã foi partilhando (expressando-se sempre em dinamarquês).
Outras histórias foram contadas pelas canções, e pontualmente em sueco, quando a actuação deu espaço a temas de Monica Zetterlund e Bob Hund, aí mais perto da folk escandinava do que do jazz. Mas o alinhamento foi quase sempre dominado por temas em inglês, desde logo através de bem-vindas recordações dos Cardigans, embora não tantas como alguns admiradores desejariam e a maioria a fugir às escolhas mais óbvias.
A excepção à regra foi "Lovefool", ainda a mais emblemática do grupo, interpretada em palco com tanta convicção e ironia como quando tomou o mundo de assalto em meados dos anos 90 (com embalo da banda sonora de "Romeu e Julieta", de Baz Luhrmann, da qual fez parte). A voz de PERSSON, fresca e maleável, não acusou a passagem de três décadas, mantendo-se perfeitamente em linha com a jovem rapariga falsamente ingénua que partilha o relato amoroso tornado emblema da banda.
Mais minimalista, e da mesma fase criativa, "Heartbreaker" sublinhou o tom jazzy através do piano de Martin Hederos (teclista dos também suecos The Soundtrack of Our Lives) e do saxofone de Nils Berg, tal como aconteceu com "Overload", tema da colheita derradeira dos Cardigans. Mas o ponto alto da revisitação foi mesmo "Communication", a melancólica faixa de abertura de "Long Gone Before Daylight", que deixou vontade de pedir um concerto inteiro centrado nesse álbum (honra que só contemplou "Gran Turismo" nas reuniões do grupo em palco). Episódio de contenção e vulnerabilidade, foi dos mais bonitos de uma noite que ofereceu uma atmosfera comparável na versão sentida de "Everybody's Got To Learn Sometime", clássico dos Korgis que Beck também já tratou bem há uns anos.
Num comprimento de onda diferente, mais efusivo e teatral, destacou-se "The Best Is Yet To Come", standard celebrizado por Frank Sinatra, com PERSSON a perfilar-se como diva de cabaret. Outro hino do cancioneiro americano, mas dos anos 20, "Me And My Shadow" surgiu numa versão esquelética, flirt de voz e teclados com intromissão ocasional dos sopros. Já a versão de "Crime", da sueca Stina Nordenstam, propôs outro salto à década de 90, homenageando uma das suas vozes mais esquecidas em modo introspectivo.
"Forgot to Tell You", nos primeiros minutos do concerto, e "This Is Heavy Metal", nos finais, garantiram que o álbum a solo de PERSSON também não ficou de fora do alinhamento. E a segunda contou com uma das suas interpretações mais intensas, confirmando que seria uma pena deixarmos de a ouvir tão cedo. Felizmente, isso não parece estar em risco de acontecer: embora não haja notícias de canções em nome próprio e muito menos dos Cardigans para breve, está a caminho um disco feito ao lado do escocês James Yorkstone e do colectivo sueco The Second Hand Orchestra. "The Great White Sea Eagle" é editado a 13 de Janeiro de 2013 e devolve-a a terreno country e folk, desta vez também com algum gospel. Não é bem um regresso a "Long Gone Before Daylight", mas já esteve mais longe...