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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Mergulhando a fundo nuns certos anos 90

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"Giving the World Away", o segundo álbum de HATCHIE, editado este ano, não foi tão pujante nem arrebatador como singles perfeitos na linha de "Lights On" e "The Rythm" davam a entender. Tal como já acontecia no disco de estreia, "Keepsake" (2019), o projecto de Harriette Pilbeam sai-se melhor na faceta mais enérgica do que na apaziguada e o alinhamento ainda tinha demasiados exemplos da segunda.

O registo sucessor, no entanto, poderá ser diferente. "NOSEDIVE", a primeira canção revelada desde o lançamento do álbum, em Abril, mostra que a australiana já tem outro capítulo em vista, e felizmente sugere ser mais vertiginoso. Também sugere audições atentas dos Curve, o que não é mau sinal quando a dupla britânica é das mais esquecidas da década de 90. Dos suspiros que lembram logo Toni Halliday à combinação suja e dançável de guitarras e electrónica que Dean Garcia conseguiu como poucos, a descendência é praticamente inegável.

Não por acaso, o tema foi criado com Jorge Elbrecht, um dos nomes-chave da herança do shoegaze e da dream pop nos últimos anos - que já tinha sido produtor e co-compositor de "Giving the World Away" e tem colaborado com gente como Tamaryn, Ariel Pink ou Caroline Polachek.

"NOSEDIVE" tem inspiração directa numa noite passada pela dupla num clube gótico de Denver, juntamente com Joe Agius (vocalista dos australianos The Creases, que também ajudou a criar a canção), e é a tentativa possível de partilhar a energia dessa experiência com o mundo. Por aqui agradece-se o empenho, que também passa por um um videoclip vibrante e faz querer ouvir mais desta colaboração ao longo de 2023:

Quando a segunda estadia é (ainda) melhor do que a primeira

Depois do Havai, a Sicília acolhe a segunda temporada de "THE WHITE LOTUS", mas mais uma vez o cenário paradisíaco revela-se enganador na série de antologia da HBO Max. Uma das melhores do ano, com Mike White a apurar a sua mistura apetitosa de farsa e tragédia.

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A proposta é uma comédia, mas o final reserva uma tragédia, anuncia a segunda temporada de "THE WHITE LOTUS" logo no arranque. Isso já acontecia, aliás, na primeira época da série criada, escrita e realizada por Mike White (autor de "Enlightened" e argumentista de "Freaks and Geeks" ou "Escola de Rock") sem que estes sete novos episódios se desenvolvam em função das mortes (desta vez há várias) e da identidade das vítimas (pelo menos uma será do elenco principal).

Claro que a ânsia por essa revelação se mantém ao acompanharmos as histórias cruzadas de turistas e funcionários de um hotel italiano, sendo reforçada num último capítulo que dilata, durante mais de uma hora, a sensação de perigo iminente. Mas White não quer limitar-se a uma narrativa de A a B, apurando a precisão e ambiguidade de uma comédia dramática que na primeira temporada lançava farpas aos problemas de primeiro mundo. Na segunda, o norte-americano retoma as tensões das clivagens sociais mas dá tanto ou mais peso a outras dinâmicas, das geracionais às conjugais e sexuais, num olhar satírico sobre os privilegiados longe dos simplismos e caricaturas de "O Triângulo da Tristeza", o novo (e decepcionante) filme de Ruben Östlund.

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Não desfazendo dos muitos méritos do primeiro volume, o segundo supera-o em praticamente todos os aspectos: coesão narrativa, construção e desenvolvimento de personagens, realização, montagem e banda sonora. White desenha este retrato de forma mais fluída e desenvolta, sem as quebras de ritmo e de tom que se notavam a meio da temporada anterior, e esteticamente aprimora uma linguagem atmosférica e imersiva, conjugando o idílico e o fantasmagórico (não falta música operática ou periclitante nem presságios a cargo da agitação marítima ou dos esgares de figuras de pinturas e estátuas locais).

Também escolhida a dedo, a galeria de hóspedes, elementos do staff do hotel e um par de intrusas locais vai ganhando mais espessura dramática. A excepção será Cameron, a personagem de Theo James, cretino de serviço depois de Jake Lacy na temporada anterior, devidamente compensado pelas de Aubrey Plaza (Harper), Will Sharpe (Ethan) ou revelações preciosas como Meghann Fahy (Daphne) e a italiana Sabrina Impacciatore (Valentina).

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Única protagonista a ter direito a regressar, a inimitável (e às vezes inacreditável) Tanya de Jennifer Coolidge é a versão possível de diva italiana - e que por estes dias se tornou rainha das redes sociais. Se muitas tiradas de "THE WHITE LOTUS" são memes óbvios, partem quase sempre desta pobre mulher rica obcecada com a fidelidade do companheiro (Greg, que também está de volta para os primeiros capítulos) e que encontra refúgio em novas companhias na estadia siciliana.

É provável que outras personagens (das que sobreviveram, lá está) também regressem na terceira temporada, já confirmada embora sem data nem destino agendados (White sugeriu que a Ásia pode ser o próximo destino). Mas mesmo que nem todas voltem, na segunda já chegaram a bom porto e ajudaram a torná-la um dos oásis televisivos do ano. Serviço de alta qualidade garantida, este...

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