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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Era uma vez em Hollywood

O título não engana: "BABYLON" é colossal e excessivo como poucos filmes (sobretudo norte-americanos) ousaram ser nos últimos anos. E também se impõe como o mais ambicioso de Damien Chazelle, realizador em topo de forma num retrato amargurado e imperfeito, mas quase sempre fascinante, da era dourada de Hollywood.

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Se as nomeações aos Óscares deste ano merecem aplausos por incluírem "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo", "Os Fabelmans" ou "Os Espíritos de Inisherin" na corrida a Melhor Filme, numa das listas mais entusiasmantes em anos, também deixaram escapar nas categorias principais um dos grandes títulos norte-americanos da temporada.

Concorrendo apenas com três nomeações técnicas quando brilha em várias frentes, da realização ao elenco, "BABYLON" é o grande ignorado desta edição, cenário que parecia impossível quando Damien Chazelle foi levado às costas pela mesma Academia em 2016, graças a "La La Land: Melodia de Amor". Mas a nova obra do norte-americano não só é bem mais desafiante do que essa revisitação do musical (curiosa, mas sobrevalorizada) como confirma, finalmente, a promessa deixada antes em "Whiplash - Nos Limites" (2014) e colocada em dúvida no desapontante "O Primeiro Homem na Lua" (2018) - "Guy and Madeline on a Park Bench" (2009), o seu primeiro e menos visto filme, não teve estreia comercial nas salas portuguesas.

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"BABYLON", a primeira longa-metragem de Chazelle em cinco anos, marca o seu regresso triunfal ao grande ecrã depois de uma aventura pelo pequeno, na recomendável série "The Eddy" (uma das muitas mais ou menos escondidas no catálogo da Netflix) e da curta "The Stunt Double".

E é um regresso que quer compensar em tudo este hiato relativamente longo, desde logo pela duração: mais de três horas, raramente desperdiçadas, embora o arranque nem seja auspicioso (culpa de uma cena escatológica a iniciar uma tentativa de provocação com várias réplicas) e um dos segmentos finais também tenha uma relevância narrativa discutível (o da entrada em cena de Tobey Maguire).

Mas se Chazelle não evita alguns deslizes, felizmente é certeiro a maior parte do tempo. Também vai pedindo tempo ao espectador: não faltam sequências longas, muitas exasperantes para as personagens, com episódios minuciosos das dificuldades, limitações, conflitos de egos e imprevistos das rodagens. Algumas são de antologia e fazem todo o sentido num filme apresentado como uma "carta de amor e ódio ao cinema", partindo do último fôlego do mudo e da transição dos loucos anos 20 para os mais comedidos anos 30 (a marcar a viragem para um clima politicamente correcto e de proto cancelamento, sugerindo um paralelo com tempos recentes).

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Sacrifício e fama, auge e decadência são extremos que se tocam e que se sucedem na máquina devoradora de Hollywood, hoje como ontem. Estamos longe da ode luminosa de "La La Land: Melodia de Amor", "BABYLON" é o elefante na sala do qual a Academia desviou o olhar e só distinguiu com os mínimos olímpicos. Mas o cinema sai claramente beneficiado com o Chazelle de 2023: esta é a sua maior "tour de force", a jogar o tudo ou nada num relato maior do que a vida, tal como o fazem as suas personagens, todas defendidas por um elenco escolhido a dedo. 

Margot Robbie nunca foi tão resplandecente, tornando o arquétipo da aspirante a actriz numa figura de corpo inteiro, vívida e trágica, diva endeusada antes de ser renegada. Diego Calva é uma das revelações do ano, na pele de um imigrante mexicano que percebe as regras do sistema como poucos, embora nem isso o poupe a embates amorosos e profissionais. Brad Pitt tem aqui o seu desempenho superlativo dos últimos tempos, escolha perfeita para encarnar um actor cujas décadas de glória não garantem a sobrevivência do estatuto num momento de profunda transição na indústria. Melancólica e reservada, é uma interpretação bem mais memorável do que de "Era uma Vez em... Hollywood", de Quentin Tarantino, pela qual a Academia finalmente o consagrou.

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Pitt protagoniza, aliás, uma das cenas-chave do filme, já mais para o final, ao lado da sempre confiável Jean Smart, aqui uma cronista da imprensa cor de rosa. Entre o sonho e a desilusão, é um diálogo que sintetiza brilhantemente o olhar de "BABYLON" sobre um sistema em que o lendário e o descartável podem estar mais próximos do que se pensaria à partida.

Jovan Adepo e Li Jun-li, a sobressair em papéis secundários carismáticos (como músico e artista de variedades, respectivamente), completam a galeria de estrelas cadentes, permitindo a Chazelle um olhar mais alargado sobre as minorias (mulheres, afro-americanos, asiáticos, homossexuais). É pena que o realizador e argumentista não acompanhe estes percursos mais de perto, mas oferece pelo menos uma grande cena a ambos.

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Mergulhando ao início numa longa orgia regada a álcool e drogas, a propor uma experiência desvairada e alucinante, "BABYLON" tem muito mais para dar do que essa irreverência que dominou as suas imagens promocionais - e que talvez tenha afastado quem temesse um mero exercício de estilo.

Estilo não falta, é certo, e será difícil não reconhecer o fulgor garantido pelos colaboradores habituais de Chazelle: a montagem prodigiosa de Tom Cross, a fotografia dourada e granulada de Linus Sandgren, a banda sonora vibrante de Justin Hurwitz (na qual o jazz é, mais uma vez, cabeça de cartaz). Ou dos cenários, tanto de interiores como de exteriores, com dezenas de figurantes e uma recriação de época faustosa, num filme que pede o maior ecrã possível para encher a vista.

No meio desta saga épica também não faltam citações e homenagens mais ou menos directas (de "Serenata à Chuva" a "Boogie Nights - Jogos de Prazer", culminando num desfecho particularmente cinéfilo) ou alusões a figuras reais da época (os actores Clara Bow e John Gilbert têm sido dos mais apontados como inspirações para os protagonistas). Mas "BABYLON" não se limita a obra de aluno aplicado a referenciar os mestres: o novo filme de Chazelle é um monumento com vida, respiração e méritos próprios, a merecer espectadores com disponibilidade à altura.

4/5

Canções com vista para o céu

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"GLIMPSE OF HEAVEN", o novo e terceiro álbum de CHASMS, marca um momento de viragem na história do projecto norte-americano. Se os discos anteriores nasceram da colaboração entre Jess Labrador (voz, percussão, guitarra) e Shannon Madden (baixo), o mais recente foi o primeiro a ser criado apenas pela vocalista, que além de se encarregar de quase todos os instrumentos também é produtora ao lado do cúmplice habitual Joshua Eustis (mais conhecido como Telefon Tel Aviv).

O salto para uma aventura a solo traz mudanças consideráveis a uma obra que começou por conciliar ecos dream pop, pós-punk e industriais em "On the Legs of Love Purified" (2016), com uma aliança de ruído e beleza descendente dos Cocteau Twins, Lush ou Cranes, e que se tornou mais melancólica e atmosférica no sucessor "The Mirage" (2019), difícil segundo álbum vincado pelo luto - culpa de um incêndio num armazém de Oakland durante uma festa, em 2016, que teve entre as vítimas mortais o irmão de Madden, Griffin, e o amigo da banda Cash Askew, dos Them Are Us Too.

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O caminho para o terceiro longa-duração incluiu uma das canções mais bonitas dos últimos anos, a etérea "Until It Happens to You", que acabou por não integrar o alinhamento. Até porque Labrador já revelou várias depois dessa, todas a confirmarem a predilecção por terrenos mais electrónicos que "The Mirage" já insinuava ao apontar à escola dub. As guitarras, inicialmente dominantes, não ficaram de fora mas são agora um adereço, tal como as ocasionais notas de piano - estas uma novidade a cargo de Joshua Eustis.

Labrador avança que "GLIMPSE OF HEAVEN" parte de uma nova relação com o mundo e com ela própria depois da experiência dolorosa que moldou o segundo álbum. Musicalmente, a tentativa de reconstrução assenta em alicerces ambient ou trip-hop e oferece algumas das canções mais minimalistas e hipnóticas desta discografia. A autora salienta os universos dos Massive Attack ou Sade entre as influências, mas também se escutam aproximações a nomes mais recentes nos primeiros singles, dos The xx aos Braids ou à faceta apaziguada dos Crystal Castles.

Há motivos para ter confiança neste regresso (e recomeço) quando mais de metade do alinhamento do disco já é conhecido. "Submit", "Things Have Changed", a faixa-título e sobretudo "Ache" (na qual nem uma sirene compromete a serenidade) são belas portas de entrada para o álbum que chega já esta sexta-feira, 24 de Fevereiro. "PARALLEL", outra amostra, traz agitação rítmica de tradição breakbeat e a sua a aura nocturna parece inspirar o videoclip, realizado por Labrador com Marisol Baltierra e a propor um passeio de carro por uma Los Angeles fora de horas:

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