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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Pop electrónica mais uma vez, agora em francês

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Depois de dois álbuns, "Now That I'm Real" (2019) e "Salt Water" (2021), nos quais se afirmou como criador de pop electrónica enigmática e sedutora, FRAGRANCE. pode ter o terceiro em vista.

Para já, o projecto de Matthieu Roche regressa com "HANTÉ DE MOI", single que a nível sonoro é um caso de evolução na continuidade - ainda assente em darkwave dançável -, mas que no plano lírico traz uma viragem: é a primeira canção do músico e produtor francês inteiramente interpretada na sua língua natal, depois de casos em que a alternava com o inglês (como "The Cure").

Esta mudança ajuda-o a distinguir-se de parentes contemporâneos próximos q.b., de TR/ST aos Boy Harsher, ainda que não faltem nomes recentes que também se expressam em francês entre sintetizadores sombrios (a faceta mais etérea dos canadianos Automelodi, por exemplo, não anda longe destas paragens). Aproximações à parte, é um regresso bem-vindo de uma discografia que tem valido a pena seguir:

As miúdas não estão bem (e as adultas não estão muito melhor)

Crescer custa, mas sobreviver custa muito mais. Que o digam as protagonistas de "YELLOWJACKETS", sobretudo numa fase em que a série da Showtime promete revelar-se mais tensa e sangrenta. Os primeiros episódios da segunda temporada já podem ser vistos na HBO Max e mantêm as qualidades (embora também alguns defeitos) da antecessora.

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E se "Perdidos" fosse protagonizada por uma equipa juvenil feminina de futebol americano? A comparação pode ser limitadora, mas é difícil não pensar na icónica série que marcou o início do milénio ao ver a proposta criada por Ashley Lyle e Bart Nickerson (dupla coprodutora de "Narcos" e "Dispatches from Elsewhere", das quais também escreveu alguns episódios). Arrancando com a queda de um avião numa floresta inóspita, em 1996, a saga estreada em 2021 acompanha o grupo de sobreviventes, quase integralmente composto por raparigas, e o quotidiano das mulheres que viveram para contar a história (ou parte dela) 25 anos depois desse acidente traumático.

Outro clássico, este literário, também surge em muitas conversas em torno da aposta da Showtime disponível em Portugal na HBO Max: "O Deus das Moscas", de William Golding, aproximação que também bate certo, tendo em conta os extremos que as protagonistas terão de enfrentar para resistir ao isolamento, à fome e aos perigos de um contexto primitivo e de contornos aparentemente sobrenaturais.

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Quando o canibalismo surge entre os novos hábitos desse período desnorteante, os riscos de "YELLOWJACKETS" tornam-se decididamente altos, transgressivos e crus. Nem todas as personagens do arco dos anos 90 voltam a marcar presença no mais recente, e o destino de algumas delas é uma incógnita para o espectador durante toda a primeira temporada.

Essa incerteza ajuda a que a série se torne uma experiência viciante, mas não passaria de mero truque narrativo caso o seu olhar sobre a adolescência, e em especial sobre a cumplicidade e rivalidade feminina (às vezes sem fronteira nítida), não fosse tão bem captado, tão vívido e tão personalizado. 

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O elenco jovem é, desde logo, um dos grandes trunfos, com um núcleo de excelentes novas actrizes (e o lusodescendente Kevin Alves, o único actor co-protagonista, também ele uma das revelações), embora os nomes mais sonantes sejam os das veteranas Juliette Lewis,  Christina Ricci e Melanie Lynskey, todas com momentos de glória nos anos 90 - e às quais se junta Elijah Wood na segunda temporada. Infelizmente, o entusiasmo que a série desperta na trama do passado quase nunca tem correspondência na do presente, com a urgência do relato coming of age forrado a sangue, suor e lágrimas a dar lugar a tentativas irregulares de comédia negra e a um subenredo sucedâneo da fase mais desinspirada de "Como Defender um Assassino".

As próprias versões adultas das personagens são, demasiadas vezes, uma versão pálida e caricatural das adolescentes, com a agravante de os novos episódios sugerirem os dois maiores erros de casting até agora: Simone Kessell e Andres Soto, na pele de Lottie e Travis, respectivamente.

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Mesmo assim, há motivos não deixar de abraçar o regresso de "YELLOWJACKETS: a trama ambientada na floresta está mais intensa do que nunca, depois de um desenho de tensão paciente e consequente na primeira temporada, e vislumbram-se desenvolvimentos narrativos com potencial na história do presente (caso do sonambulismo preocupante de Taissa ou do maior protagonismo de Callie, a fiha de Shauna e Jeff).

Menção especial para a banda sonora, quase toda dos tempos da juventude das protagonistas, numa espécie de "revenge of the 90s" mas em bom: Smashing Pumpkins, Hole, PJ Harvey, Portishead ou Prodigy ouviram-se ao longo dos dez episódios iniciais, Tori Amos, Garbage, Massive Attack e Radiohead estão entre os ilustres dos mais recentes - aos quais se juntam os menos saudosos Papa Roach, decisivos para uma das cenas mais hilariantes.

Os dois primeiros episódios da segunda temporada de "YELLOWJACKETS já podem ser vistos na HBO Max. A plataforma estreia novos capítulos todas as segundas-feiras.

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