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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O truque de uma boa balada

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Quatro anos depois de "Tem Conserto", terceiro álbum que marcou uma (refrescante) viragem electrónica no caminho de CLARICE FALCÃO, a cantautora, actriz e argumentista brasileira tem finalmente um novo disco à vista. "TRUQUE" chegará algures em Julho e dele já era conhecido "Chorar na Boate", single que seguia as sugestões mais dançáveis do registo anterior, num relato de uma saída nocturna que não dispensa a ironia.

"AR DA SUA GRAÇA", o novo avanço, também não dá sinais de que a combinação voz e violão, dominante nos primeiros tempos deste percurso, esteja em vias de regressar. Mas segue, ainda assim, uma vertente mais serena e introspectiva, numa balada delicada que cruza teclados, sintetizadores e cordas, entrando directamente para a lista de canções mais bonitas da sua autora (e com videoclip minimalista a condizer).

Mais do que o primeiro, este single retoma a temática amorosa que a artista confessou ter interesse em aprofundar num quarto álbum inspirado na "ilusão, desilusão e universos imaginários que criamos nas nossas cabeças", anuncia nas redes sociais.

Produzido pela própria ao lado de Lucas de Paiva, que já tinha sido cúmplice de "Sem Conserto", é um disco que promete MPB "de rádio de fim de noite", electrónica com ecos da PC Music e uma direcção mais pop do que os antecessores. E se o cartão de apresentação foi um convite eficaz à dança, a segunda amostra sugere que esta poderá ser uma fase em estado de graça:

Quem procura, (r)acha

Thriller político? Film noir? Revisitação do western? "DIAS EM CHAMAS", do turco Emin Alper, baralha géneros e coordenadas num crescendo de suspense nascido de múltiplas tensões contemporâneas. O resultado é uma das estreias imperdíveis deste Verão cinematográfico.

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Emin Alper está longe de ser uma revelação, embora só agora um filme seu tenha direito a estreia em salas portuguesas. "DIAS EM CHAMAS" é a quarta longa-metragem de uma das vozes mais celebradas do novo cinema turco (ao lado de Nuri Bilge Ceylan, ainda a grande referência dessas paragens) graças a títulos como "Beyond the Hill" (2012), primeira obra de um percurso que também já se alargou à televisão, através de duas séries.

Com um caminho elogiado no circuito dos festivais - incluindo duas nomeações em Cannes -, este olhar sobre a chegada de um jovem procurador a uma pequena localidade turca fictícia também é um dos nomeados do Prémio Lux, atribuído pelo Parlamento Europeu, e o melhor candidato dessa corrida que tanto inclui o bem interessante "Alcarràs", da espanhola Carla Simón, como o medíocre "Fogo Fátuo", do português João Pedro Rodrigues.

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Variação muito inspirada e personalizada do retrato de um estranho numa terra estranha, que aos poucos se revela uma terra sem lei, ou quase, "DIAS EM CHAMAS" é um exercício tão meticuloso como magnético no qual os recorrentes problemas de abastecimento de água colocam a nu os contrastes e conflitos de uma comunidade. À medida que vão surgindo crateras no deserto circundante, circulam teorias e acusações sobre as suas origens, outros tantos desmentidos, e o cenário já de si tenso agrava-se com um caso de violação com o qual o protagonista acaba por se ver envolvido.

A ambiguidade moral e narrativa marca o tom de um filme ambicioso em várias frentes, do cruzamento de géneros às inquietações contemporâneas que coloca em jogo sem comprometer uma gestão muito habilidosa do suspense. Sim, o interior turco pode ser palco de heranças do western conjugadas com códigos noir, embora não com uma femme mas com um eventual homme fatale - num cenário lânguido que por vezes ameaça tornar-se tórrido, o homoerotismo desenhado por Alper é a melhor resposta contra a homofobia reinante, pouco ou nada disfarçada.

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Da opressão à corrupção vincada por conivências e compadrios mais ou menos assumidos, passando pela denúncia da misoginia e da xenofobia, "DIAS EM CHAMAS" mergulha no grande fosso entre a tradição e a modernidade, a cidade e o campo, a partir do quotidiano cada vez mais delirante e alarmante do jovem e algo ingénuo procurador (mas não necessariamente inocente e cada vez mais atormentado pela culpa, papel ao qual Selahattin Pasali se entrega com uma convicção comum a todo o elenco).

Forrado pelos tons amarelados e sépia da fotografia esplendorosa de Christos Karamanis, o filme molda-se de forma paciente rumo a uma situação-limite cujo desenlace talvez não seja consensual. Mas mesmo que um final metafórico possa não ser o mais certeiro para uma trama de contornos realistas, é tematicamente coerente com tudo o que está para trás e não trai a mestria sinuosa desta quarta longa-metragem de Alper, a funcionar aqui como convite (muito persuasivo) à descoberta das anteriores.

4/5

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