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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Fundo de catálogo (118): Metric

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O álbum de estreia de uma das bandas mais confiáveis deste milénio faz 20 anos esta semana. Editado a 2 de Setembro de 2003, "OLD WORLD UNDERGROUND, WHERE ARE YOU NOW?" apresentou os METRIC ao mundo e conserva alguns dos maiores hinos dos canadianos para uma imensa minoria.

Da new wave ao rock de contornos indie, com acessos dance-punk e pop electrónica pelo meio, o primeiro longa-duração dos METRIC ampliou largamente o que o grupo de Toronto tinha revelado em "Static Anonymity E.P." (2001), registo mais discreto tanto na música como nas atenções que despertou. Talvez porque apesar de este ter sido o primeiro álbum dos METRIC a ser editado, não foi o primeiro criado pela banda: o papel inaugural coube a "Grow Up and Blow Away", gravado dois anos antes mas adiado pela editora do quarteto da altura, a Restless Records, tendo sido apenas lançado em 2007 (já pela Last Gang Records).

Essa situação invulgar talvez ajude a explicar a solidez de um alinhamento que, mais do que o do disco descartado (mas também recomendável), deixou logo pistas do que viria a ser o caminho dos seus autores nas décadas seguintes. Guitarras, teclados e sintetizadores, aliados à voz versátil da carismática Emily Haines, dominam canções que vão do festivo ao crispado ou introspectivo com um à-vontade assinalável em todas as vertentes.

Algures entre os Blondie e os Garbage (com quem partilharam palcos em 2023), e antecipando um cruzamento que seria seguido pelos Yeah Yeah Yeahs ou The Strokes (contemporâneos que se destacaram pelo rock cru e foram abrindo espaço à electrónica), os METRIC tornar-se-iam dos maiores embaixadores de uma vaga indie canadiana de inícios do milénio que teve nos Arcade Fire, Broken Social Scene, Feist, Final Fantasy ou Stars outros conterrâneos de peso. Haines chegou a colaborar com alguns deles, aventurando-se também em discos a solo, de perfil intimista, mas voltando sempre a uma banda cuja formação se tem mantido intacta: a vocalista e multi-instrumentista surge acompanhada por James Shaw (guitarra/sintetizadores), Joshua Winstead (baixo/sintetizadores) e Joules Scott-Key (bateria/percussão).

Essa coesão, especialmente visível em palco e audível no disco mais recente, "Formentera" (2022), já dava provas em canções fulminantes como "Combat Baby" e "Dead Disco", não por acaso os dois singles de "OLD WORLD UNDERGROUND, WHERE ARE YOU NOW?". Com Haines em modo particularmente imponente, são clássicos cuja força não esmoreceu e pontos altos de um álbum que tem outra pérola na mais esquecida "Hustle Rose", belíssimo exemplo dos METRIC mais serenos (embora ainda dançáveis).

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"Succexy", alerta antibélico com um dos refrãos mais orelhudos, continua mais actual do que nunca ao também lançar farpas à dependência digital ("All we do is talk, sit, switch screens/ As the homeland plans enemies", entoa a vocalista com sarcasmo). "Wet Blanket", cuja pujança duplica ao vivo, dá uma lição de garra alimentada por harmonias vocais. E as serenas "Calculation Theme" e "Love Is a Place" sugeriram vias que Haines percorreria em nome próprio, ainda que o grupo também nunca tenha deixado de praticar a arte de uma boa balada minimalista.

Enquanto não chega o próximo álbum dos canadianos, "Formentera II" (o nono, agendado para 13 de Outubro), nem a colheita da rentrée, vale a pena regressar à casa de partida e celebrar o início de uma das discografia consistente como poucas das últimas décadas. "Dead disco, dead funk, dead rock and roll"? Enquanto os METRIC andarem por cá, dificilmente será o caso...

Filme pipoca? Não, filme pizza

Além de ser um dos filmes mais divertidos deste Verão, "TARTARUGAS NINJA: CAOS MUTANTE" é, muito provavelmente, o melhor dos sete centrados no quarteto de adolescentes devorador de pizza e perito em artes marciais. Um triunfo de Jeff Rowe e Kyler Spears, com a mão atenta de Seth Rogen e Evan Goldberg no argumento e produção.

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E ao sétimo filme, as icónicas personagens criadas por Kevin Eastman e Peter Laird há quase 40 anos ("Teenage Mutant Ninja Turtles", BD independente e paródica, começou a ser publicada em 1984) têm talvez a sua materialização mais conseguida nos ecrãs.

Novo começo para uma saga que tem atravessado gerações, mesmo que o pico de popularidade tenha sido atingido em inícios da década de 90, a aposta da Nickelodeon é dos filmes de animação mais vibrantes dos últimos tempos e sai-se bem em várias frentes ao reapresentar Leonardo, Rafael, Donatello e Miguel Ângelo ao público de 2023.

"TARTARUGAS NINJA: CAOS MUTANTE" não parece ser alheio às lições de "Homem-Aranha: No Universo Aranha" (2018), que revitalizou as aventuras dos super-heróis (com sequela a manter a fasquia), e a proximidade visual com essa adaptação estilizada não demora a saltar à vista. A aventura dirigida por Jeff Rowe e Kyler Spears ("Os Mitchell Contra as Máquinas") também conjuga desenho à mão e animação 3D, tira partido de tons garridos e tenta uma simbiose fluída das linguagens da BD e do cinema. Mas distingue-se por um traço mais esboçado e rasurado, pelo maior protagonismo de borrões de cor ou neons e pela influência mais notória de escolas como a do graffiti.

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Tal como os filmes centrados em Miles Morales, é uma proposta cuja proeza técnica se ajusta perfeitamente ao universo urbano e marginal no qual se ambienta, desenhando uma Nova Iorque (e ruas do Bronx em particular) com recantos sinuosos e até grotescos, alma hip-hop e texturas palpáveis.

Outro trunfo é a própria versão do quarteto protagonista, talvez a mais (verdadeiramente) adolescente de sempre. Por um lado, porque a estrutura corporal dos jovens heróis é diferenciada e não tão musculada como as anteriores. Por outro, porque a atitude tão irreverente como imberbe faz todo o sentido em personagens com 15 anos de idade, a viverem aqui uma história coming of age na qual a tentativa de protecção paterna (de um envelhecido mas ainda expedito Splinter) choca com o desejo de descoberta e de integração no mundo dos humanos.

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A dinâmica espirituosa dos quatro irmãos, ancorada em diálogos ágeis e vivos, muitas vezes hilariantes, compensa a familiaridade que se instala num relato sobre a diferença e o medo do desconhecido não muito longe de conflitos como o dos X-Men. Mas se os traços gerais da narrativa serão reconhecíveis, o maior valor de "TARTARUGAS NINJA: CAOS MUTANTE" está nos pormenores, como o de entregar as vozes do quarteto principal a actores adolescentes ou o abraço apertado à cultura pop - desde clássicos dos 80 como "O Rei dos Gazeteiros", de John Hughes (a inspirar uma das cenas mais emotivas), à emergência da k-pop ou ao impacto cada vez maior da anime e manga (sem que essas referências pareçam forçadas ou oportunistas).

Fãs confessos de BD, Seth Rogen e Evan Goldberg foram peças fundamentais nas adaptações televisivas de "The Boys" e "Invencível" (ambas da Prime Video) e estão entre os argumentistas e produtores executivos desta carta de amor a um universo com continuidade garantida numa sequela e numa série (da Paramount+). E terão ainda ajudado a trazer gente como Ice Cube, Jackie Chan, Paul Rudd, Rose Byrne, John Cena ou Post Malone para o óptimo elenco de vozes.

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Outras estrelas, Trent Reznor e Atticus Ross encarregam-se da banda sonora com uma das suas colaborações mais singulares, guiada por electrónica que vai do meditativo ao explosivo e que convive muito bem com canções inesperadas dos A Tribe Called Quest, De La Soul, Blackstreet, Vanilla Ice, ESG ou Liquid Liquid.

Sequências de acção imaginativas e uma galeria de antagonistas delirante (a piscar o olho ao body horror) também garantem que dificilmente alguém vá ficar com saudades destas aventuras em imagem real, por muito que talvez fosse escusado voltar a contar a história da origem dos protagonistas (o início do filme é especialmente expositivo), que as motivações de algumas personagens mudem de forma algo abrupta ou que uma corporação mal intencionada (motor dos acontecimentos) e a sua líder permaneçam quase uma incógnita. "TARTARUGAS NINJA: CAOS MUTANTE" não deixa de ser uma bela surpresa por causa disso, nem de agradar tanto a muitos adolescentes de 15 anos como a quem o foi há cerca de 30...

3,5/5

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