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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Uma cruz com novos cruzamentos indie pop

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Precisamente dez anos depois da edição de "Interiors", o segundo álbum de GLASSER, há confirmação de um novo longa-duração da voz revelada em "Ring" (2010), ainda um belo exemplo de indietrónica e dream pop.

"Crux", agendado para 6 de Outubro, traz a primeira colecção de originais do projecto de Cameron Mesirow desde "Sextape" (2018), EP ainda mais experimental do que o habitual na sua obra ao se aventurar por relatos de encontros sexuais em modo spoken word.

Do próximo disco foram já apresentados três temas, todos a partir de um cruzamento de cordas e sintetizadores que tanto remete para os melhores (e mais inteligíveis) dias de Björk como para a sedução atmosférica dos igualmente saudosos School of Seven Bells.

"Vine" e "All Lovers" são amostras sugestivas, mas é "DRIFT" o avanço que mais convence ao entrar directamente para a lista de canções imaculadas da norte-americana. "What a good life / Except for all those times / When you want to die", entoa, e a combinação electroacústica que a acompanha também alterna entre a euforia e o negrume. Óptimo regresso, e provável pico de intensidade do álbum, com videoclip a reforçar o apelo à dança lado a lado com uma sensação de desnorte:

O nome engana: esta não é música de consumo rápido

Uma das revelações do FESTIVAL MÚSICAS DO MUNDO diluiu fronteiras geográficas e sonoras enquanto transitou da serenidade para a festa. Com uma estreia amplamente concorrida, os BEDOUIN BURGER são um nome a fixar e a reencontrar.

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Não faltaram propostas sonantes no cartaz da 23.ª edição do festival que, mais uma vez, voltou a arrancar em Porto Covo e a despedir-se em Sines. Entre 22 e 29 de Julho, o evento guiado pela "música com espírito de aventura" contou com mais de 40 concertos de quase 30 países, entre os quais os de nomes como Lila Downs, Tinariwen, Rodrigo Cuevas, Céu, Silvana Estrada ou Carminho (que terão contribuído para que este fosse o seu ano com maior adesão de sempre, somando mais de 100 mil espectadores, revelou a organização).

Mas além dos consagrados ou das novidades mais celebradas, outro motivo forte para continuar a contar com o FESTIVAL MÚSICAS DO MUNDO (FMM) na agenda de Verão é a descoberta de artistas que (ainda) não são alvo de tantas atenções. O facto de haver vários concertos gratuitos diariamente encoraja a isso mesmo, e não é invulgar que algumas das melhores memórias até acabem por ser as desses encontros inesperados.

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Para quem viu os BEDOUIN BURGER, é bem capaz de ter sido esse o caso. A dupla do músico e produtor libanês Zeid Hamdan e da cantora, compositora, instrumentista e artista visual síria Lynn Adib inaugurou as actuações do último dia num Palco das Artes repleto (com espectadores de todas as idades), depois de a portuguesa Rita Braga ou a Madalitso Band, do Malawi, já terem motivado, durante a semana, uma adesão surpreendente ao mesmo espaço (que assim merece ser repensado numa próxima edição, de preferência com mais zonas de sombra e eventual venda de bebidas).

De passagem por Portugal para a apresentação do EP de estreia, "BB", editado em Março, o duo trouxe originais e canções tradicionais, conjugou o electrónico e o acústico e percorreu vários dialectos do árabe. Durante cerca de uma hora, foi da contenção, com grande parte do público ainda sentado, à celebração, já com toda a gente de pé, boa parte dela a dançar. E se o primeiro impacto se deveu sobretudo a uma voz encantatória e à atmosfera delicada que a envolveu, a sedução adensou-se pela conjugação hábil de loops (vocais e de flauta), a cargo de Adib, e pela presença singular do guitalele e de sintetizadores, entregues a Hamdan.

Dirigindo-se frequentemente aos espectadores, a vocalista foi partilhando o que retrata esta música que se mostrou frágil e melancólica na bela "Nomad", tema nada alheio a movimentos migratórios dos últimos anos e que levou a que muitos entoassem "sem abrigo" (assim mesmo, em português) a pedido da anfitriã.

A procura de um local a que se possa chamar de casa inspirou a própria formação do projecto, em Paris, e por esta altura já se pode dizer que chegou a bom porto criativo: da misteriosa "Ya Man Hawa" à irresistível "Dabkeh", há aqui pistas encorajadoras para o primeiro álbum, prometido para breve. E além desta muito aplaudida passagem por Sines, fica a recomendação das actuações no Tiny Desk ou na KEXP, a atestar a alquimia de uma banda que, ao contrário do que o nome sugere, merece degustação atenta em vez de um consumo rápido.

Mais três boas memórias desta edição:

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FMM

A GAROTA NÃO (Castelo de Sines, 26 de Julho): O público disse claramente que sim a Cátia Oliveira, acolhendo-a de forma sempre entusiasta num final de tarde já com casa cheia. Ou no caso, castelo; o castelo mais alto durante cerca de uma hora que se mostrou demasiado curta para o alcance de "2 de abril".

O segundo álbum da cantautora, editado no ano passado, tem levado histórias do bairro setubalense que lhe dá título a todo o país, mas o de Sines foi uma ocasião especial, como a própria reconheceu. Afinal, decorreu num festival "mais de abraços do que de selfies, mais de liberdade do que de tendências, que é diferente pelo amor que tem à diferença", confessou nas suas redes sociais. E por isso condizente com esta música que, não se afirmando necessariamente como de intervenção, é das que melhor soube olhar para um país (partindo de um bairro) e quem o habita, visita ou abandona nos últimos tempos.

Entre um agradecimento irónico (e apupado) à Galp, patrocinadora do evento, que antecedeu "422", tema inspirado pelos lucros da empresa, e um medley de homenagem a outras inspirações - figuras como Sérgio Godinho, Da Weasel ou Sam The Kid -, o concerto foi um exemplo de comunhão, com um episódio especialmente emotivo em "Mulher Batida". No final dessa canção certeira criada com os Orelha Negra, a artista lamentou as mortes de mulheres vítimas de violência doméstica, apresentando os nomes de muitas delas num bloco cuja última folha era negra. Porque a luz de Lisboa não ilumina tudo e ainda há quem insista em dar voz ao luto...

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FMM

RITA VIAN (Castelo de Sines, 27 de Julho): "Fui muito festivaleira e este foi o único sítio onde não vim", contou a autora de "CAOS'A" (2021), lamentando a falha e reforçando a honra de se estrear no Festival Músicas do Mundo não apenas enquanto espectadora, mas como um dos nomes do cartaz. Talvez por isso tenha compensado a ausência até aqui com a apresentação de algumas canções em primeira mão, numa altura em que se prepara para editar o álbum "Sensoreal" (que deverá chegar no último trimestre do ano).

Ao já conhecido single de avanço, "Animais", juntaram-se assim novos temas que reforçam a aproximação ao trip-hop, e até ao hip-hop, de forma mais vincada do que no muito auspicioso EP de estreia, produzido por Branko. Por outro lado, os ecos do fado pareceram menos evidentes, mas esta amostra sugeriu que há pouco ou nenhum interesse na repetição de uma linguagem que atingiu logo o estado de graça em canções como ou "HPA" - inevitavelmente, um dos momentos mais bonitos e arrepiantes de um concerto que alimentou a curiosidade quanto aos próximos capítulos.

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FMM

AL-QASAR FEAT. ALSARAH (Palco Galp, Av. Vasco da Gama, 28 de Julho): Num festival aberto até de madrugada, o projecto multicultural criado pelo guitarrista e produtor franco-americano Thomas Attar Bellier despertou uma das grandes enchentes pós-duas da manhã.

A banda, que junta elementos do Líbano, Marrocos, Argélia ou Egipto, regressou a Sines depois da estreia em 2019 com nova formação, da qual faz parte a vocalista turca Sibel Durgut, e convidou a cantora sudanesa Alsarah para a sua mistura de rock psicadélico e música árabe. A convidada também participa no primeiro álbum, "Who Are We?", editado no ano passado, cujo alinhamento tem ainda ilustres como Lee Ranaldo (dos Sonic Youth) ou Jello Biafra (dos Dead Kennedys).

Iggy Pop também é fã e percebe-se porquê: estes acessos de "fuzz árabe" (descrição do próprio grupo) são um disparo de energia em disco que fazem ainda mais sentido (e surgem mais enriquecidos e vertiginosos) num palco, como o público do FMM testemunhou. E quanto mais este embalo distorcido acelerou, mais melhorou, durante cerca de uma hora que passou a correr, mas que foi suficiente para valorizar as duas vozes de luxo (a solo ou em conjunto) e músicos com um entrosamento sem deslizes.

Tal como no concerto dos Bedouin Burger, a noção de casa construída através do encontro de origens díspares foi sublinhada por Alsarah, ou não fosse este um dos pilares identitários de um festival que, conforme salienta A Garota Não, "promove o encontro com o outro, a aproximação ao outro, o respeito pelo outro". Que assim continue por muitos verões com vista (e ouvidos) para o mundo...

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