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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Palavras, leva-as a música

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"É nas palavras que me hidrato", confessa RITA VIAN em "Temos Tempo", uma das canções mais preciosas e cristalinas do seu primeiro álbum, "SENSOREAL". "Sem uma mão que me traduzisse, eu não sei o que faria", entoa também em "Animais", faixa de abertura e um dos singles.

Essa atenção à palavra não será novidade para quem já tinha ouvido o EP "CAOS'A" (2021), a sua surpreendente estreia a solo depois de ter integrado os Beautify Junkyards e de colaborações com Mike el Nite ou DJ Glue. Mas é agora uma certeza ao percorrer o alinhamento de uma das edições nacionais mais aguardadas do ano, capaz de ampliar tanto o âmbito dos relatos partilhados como os cruzamentos musicais que os envolvem.

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Se o registo antecessor, integralmente produzido por Branko, juntou heranças do fado e da música urbana, "SENSOREAL" reforça a escola do hip-hop na já referida "Animais" ou na candidata a hino "Podes Ficar", como os concertos dos últimos meses já tinham sugerido (do Festival Músicas do Mundo ao Iminente). É uma opção à qual não será alheia a presença de um colaborador associado ao género, João Maia Ferreira (mais conhecido pelo seu antigo nome artístico, Benji Price, e antigo cúmplice criativo de Rita), mas que está longe de ser exclusiva.

Apesar da prevalência do spoken word, estas reflexões sobre saúde mental ("Cuido de Mim"), obstinação sussurrada ("Tentar Sempre") ou despedidas melancólicas ("Ir Embora") também espreitam territórios do trip-hop, do downtempo ou da tradição portuguesa, num disco que vai do electrónico (dominante na primeira metade) ao acústico (a impor-se de mansinho nos últimos temas) sem acidentes de percurso.

Na viagem conduzida por uma voz imediatamente identificável, há ecos pontuais de outras: a marcha sincopada de "Tua Mão" vai de encontro a memórias d'A Naifa, "Deixa-me" alinha num bailarico no qual Ana Moura ou Pedro Mafama poderiam participar (num dos episódios mais contagiantes e inesperados), "Estás a Ouvir-me" e "Água" são convites mais atmosféricos à dança entre percussão tribal de descendência africana (que já estava no ADN rítmico de "CAOS'A").

As crónicas urbanas híbridas de Kae Tempest nos últimos anos (ou, bem mais lá para trás, da também britânica Anne Clark) são outras pontes possíveis, sem comprometerem a experiência singular e convicta de "SENSOREAL". Primeiras impressões: um dos álbuns nacionais de 2023 a não deixar passar.

Esta pop quer-se pesada

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"ZIG", o quinto álbum de POPPY, está quase aí. O sucessor de "Flux" (2021) é editado a 27 de Outubro, mas as primeiras amostras ficaram abaixo do que se esperava de alguém que costuma ter nos singles as suas canções mais fulminantes.

Nem "Church Outfit", nem "Knockoff", nem "Motorbike" acrescentaram interesse especial à música da norte-americana, com uma pop electrónica genérica que fez ansiar um regresso às guitarras, retomadas numa potente versão de "Spit", das Kittie, que ficará fora do alinhamento do disco.

A distorção também se faz notar, felizmente, no novo avanço, "HARD", que não precisa de muito mais do que dois minutos para comprovar - depois de "I Disagree" (2020) já o ter mostrado - que o melhor do projecto de Moriah Rose Pereira tem nascido de embates com o industrial ou o shoegaze sem perder a sensibilidade melódica pelo caminho.

O quarto avanço do álbum parece partir de onde os Sleigh Bells ou os Crystal Castles ficaram, indo dos sussurros aos gritos a um ritmo acelerado numa atmosfera tão efervescente como envolvente. Esperemos que os próximos passos sigam por aqui:

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