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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Sonhos de menina

Bat For Lashes.jpg

Passaram quase 20 anos desde que BAT FOR LASHES se estreou com um dos melhores álbuns do seu tempo, "Fur and Gold" (2006), início marcante de um percurso que não tem desiludido. Mas que também não tem tido muitas novidades esta década: "Lost Girls", o disco mais recente do projecto de Natasha Khan, saiu em 2019, e desde aí a britânica só se fez ouvir numa versão de "We've Only Just Begun", dos Carpenters, e em "Near", ao lado de Jimmy LaValle/The Album Leaf.

A longa espera entre álbuns (de cinco anos, a maior desta discografia) está finalmente prestes a terminar graças ao anúncio de "THE DREAM OF DELPHI" para 31 de Maio. Sexto longa-duração, será o primeiro a chegar depois de uma pandemia, período durante o qual foi criado em Los Angeles, e também após a cantautora, multi-instrumentista e produtora ter sido mãe pela primeira vez.

The Dream of Delphi.jpg

A influência de Delphi, a filha de Khan, é evidente logo no título de um disco que se debruça sobre a experiência da maternidade e "a santidade da infância, a ferida materna compartilhada e a importância de estar conectada de uma forma universal", avança a artista nas suas plataformas online.

A nível sonoro, as únicas pistas iniciais são as do primeiro single, a faixa-título do álbum. Canção delicada e a confirmar a carga onírica, é um belo encontro de piano e cordas que acaba dominado por sintetizadores mais para o final, sem perder a serenidade. Mais próxima de discos como "The Haunted Man" (2012) e "The Bride" (2016) do que do antecessor mais imediato, ou de caminhos percorridos por Björk (da fase inteligível), não parece revelar-se inteiramente à primeira audição e deixa bons motivos para irmos voltando a ela:

Os espíritos de Kilkinure

Thriller gótico comandado por uma brilhante Ruth Wilson, "A MULHER NA PAREDE" recupera fantasmas comunitários para não esquecer um dos capítulos mais negros da história da Irlanda. Disponível na SkyShowtime, é uma minissérie com tanto de claustrofóbico como de envolvente aos primeiros episódios.

The Woman in the Wall.jpg

Se outros motivos não houvesse, o desempenho de Ruth Wilson destaca-se logo como um óptimo pretexto para espreitar a mais recente aposta da SkyShowtime (originalmente estreada no Verão passado na BBC One, canal co-criador da minissérie de seis episódios). A sua Lorna, residente da pequena localidade fictícia irlandesa Kilkinure, é o motor narrativo deste thriller atmosférico e uma protagonista simultaneamente atormentada e intrigante, cujo dia-a-dia já de si pouco luminoso (e noites marcadas por experiências de sonambulismo) se complica quando encontra um cadáver na sua casa.

Figura rude e desconfiada, com um passado traumático e sem grande apoio emocional no presente, seria uma personagem facilmente reduzida a tiques e histrionismos em actrizes menos confiáveis mas é ouro no corpo, gestos e olhares da britânica aplaudida por "The Affair" ou "Luther". Exemplo mais visível de uma direcção de actores sem mácula, na qual todos os secundários parecem ter sido escolhidos a dedo e contribuem para manter aqui a boa tradição do realismo britânico, Wilson divide o protagonismo com um sóbrio Daryl McCormack ("Peaky Blinders", "Boa Sorte, Leo Grande"), que encarna um detective de Dublin a investigar a morte de um padre.

A Mulher na Parede 2.jpg

Qualquer relação entre as duas tragédias poderá não ser coincidência e daí nasce uma trama densa que promete escavar fundo no legado sombrio das Lavandarias de Madalena, negócios geridos por freiras católicas irlandesas, durante mais de 200 anos, através de conventos com raparigas renegadas e sujeitas a privações e humilhações (incluindo serem afastadas dos filhos).

O caso já teve ecos no cinema, como em "As Irmãs de Maria Madalena" (2003), drama memorável de Peter Mullan, mas apesar do pedido público de perdão (tardio) do Governo irlandês, em 2013, tem sido algo esquecido, sobretudo fora de portas. Embora não por toda a gente: além de Joe Murtagh, criador de "A MULHER NA PAREDE" (e realizador de "Calm With Horses" e "American Animals", filmes que não se estrearam em Portugal), Sinéad O'Connor também se lembrou dele, até por ter sido uma das vítimas dessas instituições, e revisitou-o na canção póstuma "The Magdalene Song", que poderá ser ouvida no último episódio da minissérie.

Murtagh, que também é um dos argumentistas, evita os moldes de drama social de denúncia e propõe um policial com sugestões de terror psicológico e até de algum humor sarcástico que não destoam. Pelo contrário, conferem rasgo e personalidade a um olhar que poderá agradar a adeptos do irlandês Martin McDonagh ("Em Bruges", "Os Espíritos de Inisherin") e que deixa grande expectativa nos dois primeiros episódios.

Os dois primeiros episódios de "A MULHER NA PAREDE" estão disponíveis na SkyShowtime desde 19 de Fevereiro. A plataforma de streaming estreia novos episódios todas as segundas-feiras.

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