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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Depois dos sussurros, o grito (com o punho erguido)

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"Homo, bi, trans or cis, I wanna see you raise your fist", repete Jamie McDermott no novo single do seu projecto THE IRREPRESSIBLES, que tem nome de banda mas é uma aventura individual.

Hino de afirmação da diferença, "YO HOMO" chegou poucos dias antes do arranque de Junho, o mês da visibilidade LGBTQIA+, embora o cantautor britânico nunca tenha precisado de uma data específica para se debruçar sobre essa temática. Pelo contrário, relatos de (des)amor, afecto ou sexo entre homens são parte integrante - e central - da sua música desde que "Mirror Mirror" (2010) e "Nude" (2012) apresentaram uma pop de câmara agridoce, com heranças da folk e da música clássica.

Entretanto as canções ganharam balanço mais electrónico e dançável no terceiro álbum, "Superheroes" (2018), inspirado por uma temporada em Berlim, sem perderem de vista histórias de desejo e angústia no masculino. E quando se encaminha para o quarto longa-duração (previsto para este ano, mas ainda sem título nem data anunciados), o colaborador pontual dos Röyksopp ou Rex the Dog propõe uma nova viragem sonora. 

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Antes do single mais recente, já o anterior, "WILL YOU?", desviava as atenções para as guitarras, com uma aproximação ao rock algo inesperada neste percurso - sobretudo quando o EP "Self Love & Acceptance", editado no ano passado, deixava sinais de evolução na continuidade. Mas "YO HOMO" surge com uma carga mais efervescente, num acesso punk a milhas de lamentos como os dos "clássicos" "In This Shirt" ou "Two Men in Love", que ajudaram a revelar uma voz e uma sensibilidade declaradamente queer. A versão de 2024 de McDermott troca o sussurro pelo grito, sem meias palavras, e promete o seu disco mais visceral e com maior tensão sexual.

Os videoclips são fiéis a essa postura, convocando performers da noite de Londres para um reforço de ritmo, sedução e sentido de urgência:

A rede sensual

Viagem ao mundo do ténis pela lente de Luca Guadagnino, "CHALLENGERS" é dos filmes que marcam mais pontos na obra do italiano. Com um trio de jovens actores em estado de graça e um ritmo absorvente, traz ainda uma das bandas sonoras do ano - cortesia de Trent Reznor e Atticus Ross, num dos seus capítulos mais frenéticos e inspirados.

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Se "Ossos e Tudo" (2022) e "Suspiria" (2018) levaram muitos a temer pelo percurso de Luca Guadagnino depois da aclamação do algo sobrevalorizado "Chama-me Pelo Teu Nome" (2017), "CHALLENGERS" vem mudar o rumo do jogo. Propulsivo, confiante e exuberante, este retrato dos bastidores do ténis tem despertado mais aplausos do que esses dois antecessores - pelo meio, em 2020, o italiano cocriou e dirigiu a óptima minissérie "We Are Who We Are", da HBO - e é dos mergulhos em universos desportivos mais singulares do cinema recente.

Embora a modalidade em foco se jogue a dois, o italiano e o coargumentista Justin Kuritzkes (marido de Celine Song, realizadora de "Vidas Passadas") optam antes por centrar a narrativa num triângulo amoroso, a partir da relação de dois amigos de longa data e de outra tenista que se atravessa no seu caminho. E as vidas deles nunca mais serão as mesmas a partir daí, como "CHALLENGERS" vai revelando entre saltos temporais ao longo de treze anos, desde a entrada na idade adulta dos protagonistas até uma fase em que dois deles são já ícones desportivos - e um casal em crise.

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O facto de o salto constante entre passado e presente lembrar o vai-e-vem de uma partida de ténis não será pura coincidência. Mas nada tem de gratuito: é uma escolha muito bem aproveitada por um argumento que sabe sempre o que e quando contar, abrilhantado pela montagem prodigiosa de Marco Costa e, claro, pela realização de Guadagnino, mais atlética do que nunca - desde a cena de antologia em que a câmara atravessa o campo de ténis para se fixar no rosto de Zendaya, entre o público, àquelas em que adopta o ponto de vista da bola.

Para o rasgo estético também contribui a fotografia do tailandês Sayombhu Mukdeeprom e a banda sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, que se embrenha nas imagens de uma forma como talvez já não se via desde que a dupla dos Nine Inch Nails se iniciou no frutífero caminho da música para filmes - há já quase 15 anos, em "A Rede Social" (2010), de David Fincher. O disparo de adrenalina quase ininterrupto de "CHALLENGERS" deve muito a temas como a faixa-título ou "Brutalizer", descendentes do techno e da EBM que transitam sem escorregões da pista de dança para torneios desportivos.

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Não menos essencial é a dinâmica entre o jovem trio de actores composto por Zendaya, numa das suas interpretações mais exigentes e versáteis, ao comando da narrativa; Mike Faist, a confirmar as melhores expectativas depois de "West Side Story" (2020), de Spielberg, no vértice mais vulnerável deste triângulo; e Josh O'Connor, na pele de um fura-vidas tão melindroso como talentoso e carismático.

Guadagnino e Kuritzkes divertem-se a atirá-los para uma rede de disputas e cumplicidades onde cabe tanto a determinação como a dependência, o triunfo e a frustração. E também parecem ter algum gozo a baralhar as coordenadas do espectador que espera um filme de desporto tipificado: esta é antes uma comédia dramática que às vezes se veste de comédia adolescente, bromance ou thriller psicológico.

Mantendo a câmara colada ao corpo das personagens (incluindo suor captado em slow motion), Guadagnino carrega a fundo numa sensualidade que não recusa o homoerotismo e pisca o olho ao camp (entre bananas, churros ou saunas, é escolher). E se às vezes parece fazê-lo com mais estilo do que substância, o resultado é tão envolvente e empolgante que acaba por virar o jogo a seu favor, com mestria assinalável.

4/5

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