A primeira série francesa da Max parte de um evento real trágico para oferecer um thriller psicológico engenhoso. Entre o trauma colectivo e a solidão e dissimulação da protagonista (a cargo da sempre fiável Laure Calamy), "THE CONFIDANTE" chegou discretamente à plataforma de streaming mas é uma estreia a acompanhar.
Laure Calamy já surgiu exasperada em "A Tempo Inteiro" (2021), drama de Eric Gravel, e foi exasperante em "O Meu Burro, o Meu Amante e Eu" (2020) e sobretudo "Iris e os Homens" (2023), comédias de Caroline Vignal. A esses filmes, que lhe deram maior projecção nos últimos anos depois de uma carreira de quase duas décadas, junta-se agora a minissérie que a actriz francesa também protagoniza, mais uma vez com uma personagem no limite.
Christelle, a mulher no centro de "THE CONFIDANTE", é particularmente esquiva e está longe de despertar grande simpatia do espectador. Afinal, finge não só ter sido uma das vítimas do trágico ataque terrorista ao Bataclan, sala de concertos parisiense, como diz cuidar de um amigo próximo ferido nessa noite de Novembro de 2015, entretanto alegadamente internado e em estado de coma.
Quando se junta a uma associação de sobreviventes, esta adepta de punk e rock alternativo com uma suposta experiência de palcos leva a mentira mais longe, tornando-a parte integrante da sua relação com os novos colegas e amigos. Mas porquê? Os primeiros dois episódios não chegam a dar respostas, embora o estado repentino de trauma geral pareça tê-la obrigado a confrontar-se com a sua solidão.
Baseada no livro "La Mythomane du Bataclan" (2021), de Alexandre Kauffmann, e realizada por Just Philippot ("Acide", 2023), a minissérie de quatro capítulos é bastante hábil a apresentar o quotidiano de uma mulher que insiste em estabelecer ligações de dependência com os outros enquanto parece fugir de si própria, tensão que alimenta cenas de suspense bem geridas e um estudo de personagem intrigante. O ritmo agarra, Calamy deixa mais um desempenho a guardar e secundários como Annabelle Lengronne ou Alexis Manenti contribuem para o efeito realista, apesar da premissa inusitada. Venham mais...
"THE CONFIDANTE" estreou-se na Max a 11 de Outubro e conta com novos episódios na plataforma às sextas-feiras.
Numa altura em que a FESTA DO CINEMA FRANCÊS se instala no Porto, já a partir de dia 22, louva-se por aqui a aposta em "DIAMANTE BRUTO" na edição lisboeta, no início do mês. Uma das melhores antestreias do evento, o primeiro filme de Agathe Riedinger chegou de Cannes com duas nomeações (incluindo à Palma de Ouro) e vale tanto pela descoberta de uma realizadora como de uma actriz.
"Vou ser a Kim Kardashian francesa", garante a protagonista desta longa-metragem baseada na curta "J'attends Jupiter" (2018). Adolescente de 19 anos, influencer a despertar atenções no Instagram e no TikTok, Liane é tão ambiciosa como meticulosa na gestão da imagem e essa determinação poderá dar maiores frutos mediáticos depois de um casting para um reality show. Mas se a oportunidade lhe permite ir ganhando o estatuto de estrela local - numa zona empobrecida de Fréjus, no sul de França -, a espera pela confirmação da produtora é o rastilho para uma espiral de insegurança e ansiedade.
Movendo-se na fronteira ténue entre realidade e artifício, "DIAMANTE BRUTO" tem, desde logo, o mérito de nunca olhar de cima para a sua protagonista nem para o meio que a envolve. O retrato de um quotidiano precário, marcado por horizontes limitados e metas questionáveis, seria facilmente ridicularizado noutras mãos, mas a realizadora está sempre com Liane, nunca a julgando mas também não a apresentando como uma figura dócil para o espectador. Neste estudo de personagem vertiginoso tanto cabe a obsessão, o narcisismo e a insolência como uma vulnerabilidade comovente e até inesperada à primeira vista.
Apresentando uma segurança e desenvoltura invulgares numa primeira longa, Riedinger desenha um relato coming of age numa moldura de realismo social traçado com rasgo e urgência. A câmara à mão e a fotografia saturada não serão opções originais neste registo, mas são agarradas com "savoir faire" num drama que acompanha a procura de beleza e da fama a todo o custo - sugestões de "body horror" incluídas - sem cair no conto moral(ista) pronto a consumir e descartar.
O papel da religião numa rotina guiada por padrões estéticos exacerbados e a banda sonora entre o melancólico e o sinuoso (cortesia do violoncelo de Audrey Ismaël) ajudam a conferir uma gravidade crescente a uma obra que vai afirmando o seu espaço, apesar das muitas referências próximas. O filme tem suscitado comparações a "Rosetta", dos irmãos Dardenne, pela forma crua como segue uma adolescente, embora esta história de crescimento no feminino, com experiências de solidão e abandono, também lembre os mais recentes "The Florida Project", de Sean Baker, ou "How to Have Sex", de Molly Manning. O universo de Céline Sciamma, conterrânea que se tem debruçado sobre vidas de jovens mulheres à margem ("Naissance des pieuvres", "Retrato de uma Rapariga em Chamas"), é outra aproximação possível.
Além de revelar uma realizadora, "DIAMANTE BRUTO" vale pela descoberta de uma actriz, a estreante Malou Khebiz, presença fundamental para que Liane se imponha como uma das grandes personagens da Festa do Cinema Francês deste ano. Misto de inocência e voracidade, é o maior exemplo de uma direcção de actores apurada, mesmo que alguns secundários fiquem por explorar - uma das poucas limitações desta reunião de talento em bruto.
O caminho entre o fim de uma relação amorosa e um estado de transcendência total guiou o alinhamento do novo álbum de KELLY LEE OWENS. "DREAMSTATE", o quarto longa-duração da galesa, é editado esta sexta-feira, 18 de Outubro, e propõe mais um encontro com as pistas de dança ao lado de alguns dos maiores nomes associados a esses territórios.
Tom Rowlands, metade dos Chemical Brothers, e Andrew Ferguson e Matthew McBriar, dupla mais conhecida enquanto BICEP, são colaboradores de peso de um disco com a marca da dh2, etiqueta a cargo de George Daniel, baterista dos The 1975 e também ele com créditos de produção no sucessor de "LP.8" (2022), "Inner Song" (2020) e "Kelly Lee Owens" (2017). O britânico é ainda, claro, o companheiro de Charli xcx, com quem Owens actuou recentemente em Ibiza - e não seria uma grande surpresa encontrar as duas na enésima remistura de um dos temas do famigerado "BRAT".
Descrito como uma ode à liberdade e ao escapismo através de hinos com uma rave em vista, "DREAMSTATE" percorre outros estados além da euforia dançável. É o caso de "Ballad (In The End)", belo single de aura pastoral e o mais recente de uma colheita iniciada com "Love You Got", entre um apelo rítmico que não descarta sensibilidade pop, e que continuou em "Sunshine" e "Higher", amostras talvez menos personalizadas, mas de eficácia garantida a altas horas de comunhão em modo clubbing. Esta semana, o #sextou pode muito partir daqui...