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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Não é boato: esta é mesmo uma banda a ter por perto

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"Below the Waste", o terceiro álbum das GOAT GIRL, editado este Verão, não será o mais imediato da banda britânica, mas é dos que recompensam a insistência. Alargando o gosto  aventureiro da estreia homónima (2018) e "On All Fours" (2021), teve um aliado determinante no produtor John "Spud" Murphy (cujos créditos incluem Lankum ou Black Midi), foi gravado no Studio 13, de Damon Albarn, em Londres, entre outros espaços, e deve alguma inspiração ao experimentalismo dos Deerhoof e de Philip Glass, cujos discos vincaram o dia a dia da vocalista e guitarrista Lottie Pendlebury durante a escrita de canções.

Embora talvez demasiado longo, o alinhamento é o mais versátil do projecto londrino que começou por partir do pós-punk, da folk e do psicadelismo, piscou o olho à pop electrónica e se interessou, neste terceiro capítulo, por coros e arranjos de cordas tão sumptuosos como sinuosos sem abandonar caminhos já percorridos. "Sleep Talk" e "Wasting", temas que fecham o álbum com chave de ouro, serão dos melhores exemplos da nova colheita, mas há mais a descobrir destas sessões de gravação.

"GOSSIP" não chegou a integrar "Below the Waste" por estar mais próximo de referências distantes das que marcaram o disco - o grupo aponta os universos de Aphex Twin, Koreless ou Tirzah como influências directas - e é a primeira canção a contar com Ruby Kyriakides, o novo membro do trio tornado quarteto, tendo a seu cargo os sintetizadores (dominantes no tema, tal como os teclados).

Além do videoclip abaixo, realizado por Pendlebury, vale a pena espreitar aqui o documentário "The Making of Below The Waste | A Reality Breakdown Documentary", que se debruça sobre o processo multidisciplinar da criação do álbum e da forma como este transitou para os palcos - e falando neles, não seria nada mau poder ouvir estas canções ao vivo por cá.

Os fantasmas de Huppert

Isabelle Huppert é protagonista de vários filmes da mais recente edição da FESTA DO CINEMA FRANCÊS, que está de regresso ao Porto, e a sua presença valoriza duas novidades que dificilmente seriam tão intrigantes sem ela - uma faz parte da secção de antestreias, outra destaca-se entre os inéditos deste ano.

My New Friends (2024).png

"OS NOVOS VIZINHOS", de André Téchiné: A mais recente obra do realizador de "Os Juncos Silvestres" (1994) podia ter sido um grande filme sobre questões actuais e urgentes, tanto em França como por cá. Da violência policial à fronteira entre activismo e terrorismo, do caldeirão multicultural de uma nova Europa a um contexto político cada vez mais polarizado, há várias pistas nada indiferentes às manchetes do momento lançadas no arranque deste drama urbano.

Mas se Ladj Ly tentou fazer esse filme em "Os Indesejáveis" (em cartaz e também apresentado em antestreia na Festa do Cinema Francês), depois do marcante "Os Miseráveis" (2019), ficando aquém dos objectivos num final desequilibrado, Téchiné nem parece estar tão interessado nisso a certa altura. Ou pelo menos não é esse o ângulo mais memorável e conseguido desta história sobre uma polícia veterana que se aproxima de uma família recém-chegada à vizinhança.

Os Novos Vizinhos.jpg

Mais do que o suspense em torno das ligações dos novos vizinhos ao activismo anti-polícia, o melhor deste retrato é a forma atenta, justa e digna com que Téchiné foca o envelhecimento, a solidão quotidiana e o luto da personagem de Huppert. O modo como a protagonista encara a morte recente do ex-companheiro, também ele polícia, não chega a atirar o filme para domínios do esotérico mas surpreende no que se perfila até aí como um exemplo de realismo bem trabalhado, embora sem grandes sinais de personalidade.

Em vez de um thriller levado até às últimas consequências, fica a crónica humanista feita com modéstia e sobriedade, engrandecida por uma actriz em estado de graça - e pelos também brilhantes Nahuel Pérez Biscayart e Hafsia Herzi, já agora, mesmo que o argumento pudesse oferecer-lhes mais. Daria uma boa sessão dupla com "O Adeus à Noite" (2019), o filme anterior de Téchiné a estrear-se nas salas portuguesas ("Les âmes soeurs", de 2023, ficou de fora), no qual a personagem de Catherine Deneuve se inquietava com o radicalismo político do neto.

3/5

"Os Novos Vizinhos" é exibido esta sexta-feira, 22 de Novembro, às 19h30, no Teatro Rivoli, no Porto.

Sidonie no Japão.jpeg

"SIDONIE NO JAPÃO", de Élise Girard: Sem estreia comercial prevista por cá, o novo filme da realizadora de "Belleville-Tokyo" (2010) foi um dos bons motivos para espreitar a edição lisboeta da Festa. À partida, parece haver neste drama etéreo e minimalista ecos de "Lost in Translation: O Amor é um Lugar Estranho" (2023): afinal, arranca com a chegada de uma francesa ao Japão, sem conhecer o idioma do país e mantendo apenas uma relação de proximidade com uma pessoa ao longo da estadia. Mas embora Girard não evite os contrastes Ocidente/Oriente nem a lógica do peixe fora de água, à medida que a protagonista tenta adaptar-se à realidade de Kyoto, esta viagem transformadora dificilmente se confundirá com a obra de culto de Sofia Coppola.

"Esta é uma terra de fantasmas, e eles estão entre nós", diz a personagem de Tsuyoshi Ihara à de Isabel Huppert a certa altura. E tal como "Os Novos Vizinhos", "Sidonie no Japão" é um filme de fantasmas, mas sem fazer tangentes ao thriller, muito menos ao terror. O retrato nasce antes a partir de um romantismo onírico, com uma cineasta a esmerar-se na poesia visual (com olho para enquadramentos meticulosos que tiram partido da arquitectura ou da natureza da região) enquanto acompanha a jornada de uma escritora que apresenta a edição japonesa de um bestseller. Pelo caminho, a protagonista ajusta contas com um passado atormentado pela morte do marido, encarnado pelo alemão August Diehl em cenas que parecem rimar com as da mulher polícia e do seu antigo companheiro no filme de Téchiné.

Felizmente, Girard não se leva demasiado a sério e tempera com algum humor uma narrativa que, noutras mãos, talvez ficasse refém de uma carga solene exasperante. E Huppert, com uma conjugação de maturidade e curiosidade, ilumina o ecrã mesmo que o ritmo nem sempre seja o mais convidativo. Pequenos achados, como uma cena sexo particularmente imaginativa, reforçam a singularidade desta bela viagem física e emocional que merecia chegar a mais ecrãs.

3/5

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