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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Atenção a este duo ele e ela (ele dos Ride, ela dos Lush)

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Mais conhecido como baixista dos Ride desde finais dos anos 80, STEVE QUERALT tem um percurso no qual também integrou os ID e Dubwiser, história que conta ainda com um EP em colaboração com Michel Smith - "Glitches" (2022), cruzamento de rock e spoken word.

Mas 2025 pode muito bem ser um ano de viragem para o britânico. A 13 de junho, edita "SWALLOW", o primeiro álbum em nome próprio, embora não completamente a solo. O plano inicial era um disco de instrumentais com os ambientes oníricos dos Sigur Rós ou M83 e a electrónica exploratória dos Boards of Canada entre as referências. O resultado final, no entanto, aposta no formato canção em alguns momentos, ao ter como convidadas EMMA ANDERSON (dos Lush e Sing-Sing) e Verity Susman (das Electrelane e MEMORIALS), vozes que trazem um interesse acrescido a esta estreia.

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"LONELY TOWN", o primeiro single, é um dos dois temas criados com Anderson e faz esperar o melhor. Com um ritmo inspirado pelos Joy Division, banda de cabeceira de Queralt nos útimos meses, tem descendência directa do pós-punk mas também aceita contaminações do shoegaze. Densa, propulsiva e hipnótica, com todos os instrumentos a cargo do músico e abrilhantada por uma vocalista que não perdeu o encanto, é uma canção que não fica a dever nada às mais perfeitas dos Ride ou dos Lush.

Entretanto também já foi revelada "Messengers", colaboração com Susman que mantém o voto de confiança no álbum, ainda que não voe tão alto. Mas só pela primeira amostra já valeria a pena ter este lançamento em vista. Abaixo ficam duas versões: a original, mais longa, e a editada para formato single, ilustrada por um videoclip apropriadamente turvo.

Conto de Inverno

Ganhou o Grande Prémio do Júri no Festival de Veneza e foi seleccionado para representar Itália na corrida a Melhor Filme Internacional da mais recente edição dos Óscares. E esses e outros aplausos fizeram-lhe justiça: "VERMIGLIO", o novo drama de Maura Delpero, é exemplo de um cinema tão depurado como comovente.

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Em exibição nas salas nacionais (embora em menos do que merecia), "VERMIGLIO" está longe de ser inédito por cá: já integrou a programação do LEFFEST - Lisboa Film Festival em 2024, fez parte da Festa do Cinema Italiano deste ano e não será exagero dizer que esteve entre as apostas mais memoráveis dos dois eventos. Mesmo que seja um filme que recusa chamar a atenção para si próprio: a terceira longa-metragem de Maura Delpero, realizadora italiana com experiência na ficção e no documentário, é das mais sóbrias e contidas da temporada, qualidades que não a impedem de vincar um triunfo formal e emocional.

Inspirado em relatos familiares da autora, recua até à Itália entre 1944 e 1945, em particular a uma pequena localidade rural alpina (que dá título ao filme). O facto de decorrer nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial não é um pormenor: o mote narrativo dá-se com a chegada de um desertor à pequena vila, acolhido pela numerosa família protagonista e responsável por movimentações graduais na dinâmica desta. Esse impacto é mais evidente no quotidiano da filha mais velha e sinaliza uma das questões-chave do retrato de Delpero: o universo feminino, explorado através das histórias cruzadas de três irmãs de idades, personalidades e ambições distintas.

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Mas mais do que feminino, "VERMIGLIO" é feminista, ainda que com uma subtileza nada compatível com a de quem grita palavras de ordem ou se vale de simplismos e generalizações. A forma como a realizadora (que também assina o argumento) encara o patriarca da família, um velho professor muito considerado na região, é revelador de alguém que abraça todas as suas personagens, dando a ver contradições sem cair em julgamentos.

A autora não passa ao lado do machismo, com influência directa em todos os subenredos, mas propõe um olhar compassivo num drama que concilia questões de género com as da fé ou da sexualidade - e consegue evitar cair na vitimização e no fatalismo, armadilhas insinuadas a espaços, desviando-se também de lirismos bucólicos.

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A solidez de todo o elenco, dos adultos às crianças, sustenta um efeito realista que começa logo na realização meticulosa e na brilhante direcção de fotografia (granulada e invernal, a cargo de Michail Kricman). Filmado com luz e som naturais, "VERMIGLIO" documenta um microcosmos credível marcado por um forte sentido atmosférico - alguns planos e enquadramentos remetem para a pintura, mas o gesto estético de Delpero não se sobrepõe à carga dramática.

A vasta galeria de personagens leva a que a realizadora nem sempre tenha tempo para chegar a todas com a mesma dedicação (a mãe e o irmão mais velho mereciam maior desenvolvimento) e impõe algumas limitações narrativas (como uma viagem à Sicília demasiado repentina e acelerada perto do fim), mas esses acabam por ser pormenores numa obra quase sempre em estado de graça - e para juntar à lista das melhores do ano.

4/5