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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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A SANGUE FRIO

Impondo-se, ao longo da década de 90, como um dos melhores actores norte-americanos dos últimos anos, Philip Seymour Hoffman nunca havia conhecido um mediatismo à altura do seu talento, sendo quase sempre relegado para papéis secundários.
Embora tenha trabalhado em muitos projectos interessantes que lhe proporcionaram algum prestígio – colaborou em obras de Todd Solondz, Paul Thomas Anderson ou Spike Lee -, faltava-lhe umaque lhe possibilitasse uma aclamação mais generalizada.

“Capote”, a segunda experiência de Bennett Miller na realização (a primeira foi o elogiado, mas discreto documentário “The Cruise”, de 1998), afirma-se como o filme capaz de o elevar a um novo patamar de reconhecimento, garantindo-lhe o Óscar de Melhor Actor e compensando-o por mais de uma década onde recebeu menos atenção do que merecia.

Hoffman encarna aqui o controverso e influente escritor Truman Capote, numa película que foge ao formato de biopic mais tradicional ao optar por se debruçar apenas sobre uma fase específica da sua vida, centrando-se em 1959, período em que o autor se inspirou no homicídio de uma família de uma pequena povoação do Kansas para criar uma das suas obras incontornáveis, “A Sangue Frio”, considerado o primeiro romance de não-ficção.

O filme apresenta a relação singular que nasce entre o escritor e Perry Smith, um dos dois assassinos responsáveis pelo massacre, focando a empatia natural e desconcertante gerada entre dois underdogs que, embora muito diferentes à superfície, parecem partilhar uma esfera de angústia, isolamento e marginalização.
Em paralelo, “Capote” narra também a forma como o protagonista utilizou essa proximidade para a criação do seu livro (ainda que inicialmente o plano fosse criar apenas um artigo de revista), vertente que obriga o espectador a questionar-se acerca da moral da personagem, originando cenas de uma considerável ambivalência emocional, pouco habituais num biopic oriundo de Hollywood (que raramente colocam em causa a figura em questão).

Philip Seymour Hoffman consegue compor com solidez um retrato do escritor, mesclando vulnerabilidade, arrogância, humor ácido, egocentrismo e subtileza, expondo ainda os trejeitos da fala e dos movimentos corporais associados a Truman Capote sem cair na caricatura.

Infelizmente, o filme não é tão bem sucedido como o desempenho do actor principal, apoiando-se neste em demasia e não sendo tão convincente na maioria das suas restantes componentes. É certo que há aqui material de base para fazer desta uma obra superior, em particular a relação do criador com a arte e a dilaceração emocional que daí poderá advir, contudo “Capote” é prejudicado por uma narrativa irregular que nem sempre distingue o essencial do acessório, oferecendo múltiplas sequências repetitivas e dispensáveis.


O argumento é interessante, mas peca por não explorar a fundo a carga dramática que pontuais momentos são capazes de evidenciar, desaproveitando, de resto, algumas das personagens secundárias, como os dois criminosos ou a escritora Harper Lee, amiga de infância do protagonista.

“Capote” vê-se, assim, reduzido ao estigma de “filme de actor”, alicerçando-se na prestação de Hoffman que, mesmo não retirando o mérito ao eficaz trabalho de realização de Bennett Miller ou aos desempenhos de todo o elenco - Clifton Collins Jr. interpreta um credível Perry Smith, já Catherine Keener está apenas competente, longe do seu melhor – sobrepõe-se a estes e será aquilo pelo qual esta película curiosa, embora não raras vezes gélida e monótona, será lembrada.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

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