(Des)Encontros urbanos
Alain Resnais já tinha recorrido a uma obra do dramaturgo como fonte inspiradora em "Fumar/Não Fumar", e agora volta a provar que essa base teatral não deixa de funcionar enquanto interessante matéria-prima cinematográfica, pelo menos quando abordada por si.

De facto, o filme está muito longe de ser um daqueles pastelões de teatro filmado, incorporando os elementos da peça - os únicos diálogos provêm das sete personagens (uma é apenas ouvida), as cenas decorrem todas em interiores -, e trabalhando-os com engenho e criatividade, usando-os não como uma limitação mas um desafio.
Embora os espaços onde se desenrola a acção sejam quase sempre os mesmos - as casas ou locais de trabalho das personagens -, Resnais filma-os com uma frescura sempre renovada, apresentando novos pormenores e explorando ao máximo as potencialidades dos impressionantes décors, com enquadramentos imaginativos, nunca caindo no entanto em exageros de esteta exibicionista.
A neve, elemento recorrente do início ao fim do filme, é outra ideia visual que reforça a mestria cénica, funcionando por um lado como metáfora para a frieza emocional que percorre as grandes metrópoles e como fonte catalisadora de uma aura poética que se entrecruza com o ambiente realista dominante.
Investindo nos modelos cada vez mais adoptados do filme-mosaico, "Corações" segue os (des)encontros de seis figuras que, para além do emprego (ou procura deste), pouco têm de certo nas suas vidas, o que os força a tentar encontrar pontos de fuga à solidão, seja através do refúgio no álcool, em anúncios em jornais ou no entretenimento televisivo.

Entre a comédia e o drama, o argumento flui com inteligência e sensibilidade, colocando em jogo os comportamentos humanos e as redes que vão estabelecendo, alicerçando-se em personagens suficientemente complexas. Contudo, ainda que todas sejam interessantes, algumas só ganhariam se fossem mais desenvolvidas, e o filme resultaria melhor se fechasse mais subenredos.
"Corações" não será a obra mais original, arrojada ou marcante de Resnais, mas o facto de ser um filme com tanto de pertinente como de agradável e de reunir um elenco em estado de graça - Sabine Azéma, Pierre Arditi ou Lambert Wilson, entre outros - já é mais do que muitos cineastas conseguem oferecer, e especialmente impressionante quando desenvolvido por um que atingiu já os 85 anos - uma idade respeitável, tal como este filme.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM