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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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O jogo

Embora seja um dos mais respeitados realizadores norte-americanos das últimas décadas, Woody Allen tem gerado, nos tempos mais recentes, uma série de filmes que, apesar de possuírem algumas inegáveis virtudes, não contêm a inspiração de outrora e limitam-se a enveredar por uma segura, mas pouco estimulante, lógica de piloto automático.
Este aspecto levou a que muitos encarassem já o cineasta como alguém que dificilmente voltaria a surpreender, mas eis que surgiu “Match Point” e, de um momento para o outro, Allen voltou a gozar de uma aclamação quase unânime de que já não era alvo há muito.

Felizmente, os múltiplos elogios dirigidos à película revelam-se justíssimos, pois “Match Point” impõe-se de facto, e sem dificuldades, como a melhor obra do realizador em largos anos, sobrepondo-se a títulos medianos como “A Maldição do Escorpião de Jade” ou “Melinda e Melinda”.



A metáfora do ténis conduz este jogo de manipulações, traições e enganos ambientado em domínios da alta sociedade londrina, onde um jovem instrutor de ténis, Chris, estabelece laços de amizade com um dos seus alunos, Tom, oriundo de uma família abastada, e ao fim de algum tempo casa com a irmã deste, Chloe.
No entanto, a rápida ascensão social do protagonista é ameaçada quando este se envolve com a noiva do seu amigo, Nola, forçando-o a escolher entre a prosperidade financeira ou a consumação de um amor obsessivo e descontrolado.

Longe de territórios ligados à comédia, que vincaram grande parte dos últimos filmes de Allen, “Match Point”, apesar de conter ainda fugazes momentos de humor, é um assombroso e denso drama como o cineasta já não fazia há muito, alicerçado em questões como a ambição, os contrastes sociais e culturais, a hipocrisia, a lealdade e, sobretudo, a sorte, que influencia, e muito, o percurso do ambíguo e inquietante protagonista.

Desta vez, a acção decorre não na habitual Manhattan mas em Londres, contudo ninguém diria que Allen nunca tinha filmado a capital inglesa, tendo em conta a familiaridade com que foca os espaços e transmite as atmosferas da cidade, caracterizando-os de forma envolvente e credível.

Elegante e apurada, a realização consegue seguir com espontaneidade as personagens, brilhando tanto nas sequências de grandes planos como quando evidencia a austeridade e imponência da maioria dos espaços, perfeitos para acompanhar uma história que se vai tornando cada vez mais fria, angustiante e desolada, esgravatando recantos obscuros e escondidos da alma humana.

Mordaz e pessimista como raras vezes o foi, Allen proporciona aqui escassos episódios leves que permitam tornar o ar mais respirável perante uma claustrofobia emocional tão carregada.
Se “Match Point” exibe alguns paralelismos com outro filme do realizador, “Crimes e Escapadelas”, está desprovido do tempero burlesco que essa película ainda continha, mergulhando por completo na complexidade psicológica da personagem principal, não evitando uma perspectiva negra, trágica e cruel e esculpindo um prodigioso exercício de suspense.

A inteligência e subtileza da escrita e da realização não produziriam só por si este efeito se o filme não contasse, também, com uma sólida direcção de actores, já esperada nas obras do cineasta e que aqui volta a confirmar-se.
Jonathan-Rhys Meyers consegue gerar as doses de magnetismo e imprevisibilidade que a sua personagem requer, compondo um protagonista carismático; Scarlett Johansson apresenta um dos seus melhores desempenhos na pele da ambivalente e sensual Nola, destilando glamour e vulnerabilidade; e os secundários britânicos emanam um rigor e profissionalismo irrepreensíveis, com destaque para Matthew Goode e Emily Mortimer, no papel dos dois irmãos.

Profundo, absorvente, tenso e milimetricamente delineado, “Match Point” afirma-se não só como o melhor filme de Woody Allen em largos anos, mas também como uma das grandes experiências cinematográficas de 2006, indispensável para qualquer amante da sétima arte. A experienciar sem reservas.



E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

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