Amor em tempos de guerra
Adaptação do romance homónimo de Ian McEwan, "Expiação" (Atonement) chega às salas com um impressionante número de nomeações para vários prémios - incluindo sete para os Óscares e após ter ganho a dos Globos de Ouro para Melhor Drama -, reforçando o estatuto de estrela de Keira Knightley e impondo-se como um dos filmes britânicos mais falados dos últimos tempos.
Muitas vezes, estas obras de suposto prestígio embrulhadas em muita pompa e circunstância acabam por defraudar as expectativas ao não apresentaram mais do que um academismo tão requintado quanto insípido - foi o caso, por exemplo, de "A Paixão de Shakespeare", de John Madden -, mas felizmente "Expiação", mesmo estando longe de ser perfeita, mantém-se muito acima da banalidade.
O facto de estar acima da média não surpreende assim tanto, tendo em conta que é realizada por Joe Wright, cuja primeira longa-metragem, "Orgulho e Preconceito", tinha já sido uma refrescante adaptação do livro de Jane Austen. Aqui o realizador mantém os elementos que o tinham colocado entre as promessas do cinema britânico, fugindo aos mecanismos e tendências habituais em muitos filmes de época e aprimorando o seu talento para sequências de forte impacto visual (mas nunca ostensivo).
Ancorando-se num complexo novelo narrativo, "Expiação" oferece um olhar sobre a culpa e a redenção, partindo da relação de dois jovens, Robbie e Cecilia, que se conhecem desde a infância mas que só à entrada na idade adulta é que começam a aperceber-se do que sentem um pelo outro. Infelizmente, aí pode já ser tarde demais, uma vez que Robbie é acusado de um crime alegadamente testemunhado pela irmã mais nova de Cecilia, Briony, obrigando-o a passar os anos seguintes preso e, posteriormente, a integrar as tropas inglesas durante a Segunda Guerra Mundial.
Embora seja uma obra consistente, "Expiação" perde algum impacto por atingir um nível superlativo no primeiro terço mas raramente ser capaz de o igualar nos restantes, já que a narrativa perde alguma fluidez quando a acção se concentra nos episódios relacionados com o período da guerra - mas mesmo nestes é difícil não reconhecer momentos magníficos, como aquele em que a câmara se passeia durante vários minutos pela praia de Dunquerque num plano-sequência de antologia, oferecendo um vibrante retrato do dia-a-dia das tropas.
De um modo geral, contudo, o filme entusiasma mais nas cenas iniciais, e aí Wright é exímio na construção da atmosfera lânguida que envolve a mansão da família de Cecilia, o espaço onde decorrem alguns dos momentos-chave da acção como o da fonte ou o da biblioteca, ambos vincados por uma sufocante tensão emocional e sexual entre o par protagonista.
Quando abandona este cenário, "Expiação" torna-se numa história de amor vitimada pelos entraves da guerra, perdendo parte da sua singularidade e ganhando alguma palha narrativa, ainda que esta quase seja disfarçada pela estupenda fotografia de Seamus McGarvey, a não menos brilhante banda-sonora de Dario Marianelli (justamente premiada com um Globo de Ouro, até porque ideias como a do som da máquina de escrever integrado na música não surgem muitas vezes) ou a hábil e elegante realização de Joe Wright.
A contribuição do elenco é igualmente decisiva, e se a cada vez mais mediática Keira Knightley obtém aqui, de facto, um dos seus melhores desempenhos - que não chega a destronar, contudo, o de "Orgulho e Preconceito" -, convém não esquecer as de James McAvoy, um dos jovens actores ingleses a acompanhar, e de Saoirse Ronan, uma grande revelação na pele de Briony aos 13 anos, cujo olhar imperscrutável gera alguns dos planos mais magnéticos.
Não sendo ainda o grande filme que se pressente que Wright será capaz de fazer, "Expiação" é um passo em frente em relação à sua promissora primeira obra e reforça o interesse por uma filmografia que se arrisca a tornar-se ainda mais estimulante. Quem o for ver à espera do filme do ano devido ao aparato que o rodeia poderá sair desiludido, mas os que apenas procurarem uma consistente experiência cinematográfica têm aqui uma proposta muito recomendável.