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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O desaparecido

Desde os atentados do 11 de Setembro, o thriller político tornou-se no denominador-comum de muitos filmes norte-americanos, que com maior ou menor eficácia têm questionado as atitudes do governo ou, pelo menos, encorajado novos olhares sobre o contexto político internacional, com forte tónica no terrorismo.

 

"Detenção Secreta" (Rendition) é um dos exemplos mais recentes dessa tendência, e felizmente não se limita a ser apenas mais um, partindo de um realizador talentoso, de um elenco imbatível e de uma abordagem suficientemente singular para entrar directamente para a lista dos títulos mais marcantes, não só do género mas do cinema dos últimos tempos.

 

 

O sul-africano Gavin Hood, autor do interessante "Tsotsi", vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2005, apresenta aqui uma obra mais coesa e estimulante, alicerçada nas ramificações geradas pela criação do "Patriot Act", lei aprovada pelo Congresso norte-americano após os atentados do 11/9 que permite medidas excepcionais no combate ao terrorismo.

Estas podem, contudo, ameaçar as liberdades individuais dos cidadãos, sobretudo se o modelo que defende que os fins justificam os meios for levado ao extremo, e é essa ambivalência que "Detenção Secreta" explora.

 

Seguindo o caso de um engenheiro químico egípicio que regressa aos EUA, onde reside, após uma viagem de avião à África do Sul, e que é detido pelos serviços secretos que o levam para uma prisão no estrangeiro devido a potenciais ligações a uma rede terrorista, o filme coloca em causa a forma como algumas tentativas de garantia de segurança têm sido implementadas.

 

 

Além desta situação, "Detenção Secreta" desdobra-se por muitas das que lhe são adjacentes, desde a da esposa do cidadão raptado, que procura respostas para o súbito desaparecimento através de um amigo com ligações à Casa Branca, a de um analista da CIA, que enfrenta um conflito interior quando testemunha o modo como os interrogatórios são feitos, ou a de um casal adolescente do país africano onde se localiza a prisão, cujo dia-a-dia está bem vincado pelo fundamentalismo islâmico.

 

O dispositivo narrativo lembra o de "Syriana", de Stephen Gaghan, alternando personagens e contextos entre África e a América, mas Gavin Hood consegue impor um ritmo mais envolvente e despertar questões mais inquietantes, arrancando uma abordagem tão clínica quanto emocional e saíndo-se tão bem dos jogos de suspense como das ambiguidades éticas em que investe.

Não é fácil manter um equilíbrio tão assinalável em território tão escorregadio e susceptível, mas Hood demonstra aqui um avanço significativo face ao algo desequilibrado "Tsotsi", concedendo ao filme uma carga dramática por vezes impressionante e apostando novamente numa forte vertente realista. E depois há as interpretações, todas dignas de elogios, embora não se esperasse menos de um elenco invejável.

 

 

Entre a sobriedade de Jake Gyllenhaal, que mais uma vez demonstra uma escolha criteriosa dos filmes em que participa e oferece um desempenho à altura, a obstinação de Reese Witherspoon, que felizmente mostra aqui a grande actriz que pode ser, ou a postura altiva de Meryl Streep, numa personagem tão deliciosa quanto enervante, "Detenção Secreta" congrega uma série de interpretações memoráveis.

Destaque ainda para o sempre confiável Peter Sarsgaard, um secundário de luxo, ou para os menos mediáticos Igal Naor e Omar Metwally, respectivamente o interrogador e o interrogado.

 

Conjugado com alguns diálogos incisivos, o elenco propicia cenas de antologia como aquela em que a personagem de Sarsgaard conhece Streep, ou uma outra em que esta é confrontada com a de Witherspoon, apenas dois exemplos dos muitos momentos de arrepiante tensão emocional que Gavin Hood oferece.

Não surpreenderá, por isso, que quando se fizer o balanço cinematográfico de 2008 "Detenção Secreta" tenha séries probabilidades de constar entre os melhores. E mesmo que não o consiga, tem o mérito de ser a primeira estreia do ano a colocar a fasquia a um nível tão alto e uma das poucas que não deixa o espectador indiferente à saída da sala.

 

 

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