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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

A coisa mais doce

Numa altura em que as imagens e testemunhos que provenientes do Líbano não vão além de situações relacionadas com terrorismo, sabe bem ver um filme como "Caramel" (Sukkar banat), que apesar de decorrer em Beirute afasta-se do contexto bélico e oferece um envolvente retrato do quotidiano de cinco mulheres, partindo daí para espelhar alguns dos principais contrastes dessa sociedade.

 

Grande parte da acção decorre num salão de beleza, onde quatro das protagonistas trabalham enquanto trocam confidências, conselhos e ambições, mas aos poucos o filme vai deixando esse espaço para seguir a rotina de cada uma delas.

 

 

Ao focar o seu dia-a-dia explora o melting pot da capital libanesa, vincado pelos cruzamentos de credos cristãos e muçulmanos e pelos comportamentos que determinam, mas também pela disseminação de marcas culturais do ocidente.

 

Cada personagem atravessa uma fase em que terá de lidar com alguns dilemas que tende a arrastar. Layale vive amargurada pela sua relação com um homem casado, Jamale reage mal à entrada na meia-idade e ao progressivo afastamento da juventude, Nisrine está noiva mas receia contar ao namorado que já não é virgem, Rima esconde de todos a sua atracção por mulheres e Rosa está cansada de não ter vida pessoal por dedicar todo o tempo à irmã.

 

Crónica de um grupo de mulheres à beira de um ataque de nervos, "Caramel" tem mesmo uma visível herança dos ambientes de Almodóvar dos primeiros tempos, evidente nas cenas pitorescas passadas no salão de beleza, nas cores garridas e contrastantes que por vezes dominam os espaços ou no humor simples mas certeiro de certos diálogos.

 

 

 

A realizadora Nadine Labaki (que também assume as funções de argumentista e actriz principal) é, contudo, menos delirante e corrosiva no seu retrato, conjugando frequentes acessos kitsch com um notório carinho pelas suas personagens, nunca as julgando ou ridicularizando.

 

Alicerçado num elenco em estado de graça, com actrizes - algumas sem experiência - que transbordam espontaneidade e vivacidade, "Caramel" combina drama e comédia e, ao contrário de muitos filmes centrados no universo feminino, nunca se torna demasiado açucarado, desenvolvendo-se com considerável subtileza e contenção.

Peca apenas por ter demasiadas personagens e tentar abordar ainda mais temas, não conseguindo tratar todos com a mesma profundidade e caindo num argumento excessivamente episódico, sem uma linha narrativa dominante que ate algumas pontas soltas.

Tirando isso é uma agradável surpresa, inteligente e acessível, que desperta curiosidade acerca de uma cinematografia raramente divulgada e que, a julgar por este exemplo, merece alguma atenção.