Viver e morrer em Nova Iorque
James Gray realizou o seu primeiro filme, "Viver e Morrer em Little Odessa", em 1994, e desde então só assinou mais dois, "Nas Teias da Corrupção" (2000) e "Nós Controlamos a Noite" (We Own the Night), que tardou a estrear em salas nacionais mas ainda chega em boa hora e destaca-se mesmo como um dos grandes filmes dos últimos tempos.
Comparado por muitos a Coppola ou Scorsese por se inserir numa linhagem clássica e demonstrar tendência para a abordagem do crime e de relações familiares conturbadas, volta a confirmar esses elementos na sua obra mais recente.
O protagonista, dono de um concorrido clube nocturno nova-iorquino, é obrigado a optar entre a lealdade ao pai e irmão, membros da polícia local, e a colaboração com a máfia russa, que usa o seu estabelecimento como ponto estratégico.
Se inicialmente este dilema não lhe causa grandes preocupações, um grave acontecimento muda tudo e desencadeia um denso novelo dramático onde traços do drama familiar e do policial se complementam e originam um absorvente estudo de personagens.
"Nós Controlamos a Noite" não será um filme particularmente original, já que o seu ponto de partida é semelhante ao de tantos outros e as suas influências são notórias, mas está tão bem arquitectado que esse factor não chega a ser um defeito.
Gray consegue pegar numa história convencional e torná-la vibrante sem precisar de recorrer a devaneios estilísticos ou jogadas pós-modernas, mantendo uma impressionante sobriedade que dá espaço às personagens e onde a tensão emocional é mais importante do que as reviravoltas do argumento (embora haja algumas e não sejam de desprezar).
Vendo o resultado final, percebe-se porque é que o realizador (e argumentista) demora tanto tempo a concretizar um filme, pois em "Nós Controlamos a Noite" nada é deixado ao acaso e tudo parece pensado ao pormenor, da minuciosa interligação entre som e imagem à gestão do ritmo.
Este cuidado estético, que aqui nunca é sinónimo de exibicionismo, é determinante para a construção das atmosferas, das festivas às mais intimistas, devidamente sonorizadas com canções dos Blondie, David Bowie ou Specials (da década de 80, período em que decorre a acção) ou com a discreta partitura instrumental de Wojciech Kilar.
Sustentado por esta elegância formal, Gray oferece algumas sequências de antologia como a da perseguição automóvel, angustiante e nos antípodas das fórmulas hollywoodescas (nunca o som de um limpa pára-brisas causou tantos arrepios) ou aquela onde o protagonista percorre os corredores num confronto directo com o medo, não esquecendo a cena de sexo inicial, que recusa lugares comuns e sugere logo que este é um filme adulto (não pela situação em causa mas pela forma como a aborda).
Além de estar muito bem construído, "Nós Controlamos a Noite" tem ainda como valioso trunfo o seu elenco, onde Mark Wahlberg e Robert Duvall são seguros entre os secundários e Joaquin Phoenix comprova, mais uma vez, ser um dos grandes actores da sua geração, entregando-se a uma intensa viagem emocional e sendo capaz de transmitir, como poucos, as inquietações do protagonista.
Não por acaso, os três actores já tinham colaborado com Gray em "Nas Teias da Corrupção", factor que ajuda a explicar a evidente química, que aqui está ao serviço de um filme mais consistente.
Já Eva Mendes é novata no universo do cineasta, e ainda que os seus papéis habituais a colocassem como uma escolha pouco óbvia (e muito arriscada), a actriz surpreende pela positiva num desempenho exigente - e consegue ser muito mais do que a namoradinha da personagem de Phoenix, uma vez que as cenas que partilham são um prodígio de intimismo e sensibilidade.
Vincado por um romantismo fantasmagórico e uma aura trágica sem nunca abdicar do realismo, "Nós Controlamos a Noite" é um dos melhores filmes norte-americanos dos últimos anos, que engloba traços dos já referidos Coppola ou Scorsese e aproxima-se de "Promessas Perigosas", de Cronenberg, ou de "Verão Escaldante", de Spike Lee (sobretudo nos momentos iniciais), referências que não impedem que se sinta aqui um cunho bem pessoal.
É pena que tenha sido ignorado em eventos como os Óscares - ao contrário dos aplausos em Cannes ou Veneza -, não só porque é superior a qualquer um dos nomeados da última edição mas porque seria mais divulgado. Felizmente, e como mais vale tarde do que nunca, pode agora ser descoberto.