Sensibilidade e bons concertos
A propósito da segunda edição do Lo-Fi Folk Festival, Dawn Landes, Young Republic e Angus & Julia Stone actuaram dia 21 na La Maroquinerie, em Paris. O espaço reduzido da sala favoreceu a criação de um ambiente intimista entre os músicos que passaram pelo palco e as dezenas de espectadores que os foram ver entre o final da tarde e o início da noite, onde a folk foi o género de eleição mas não o único presente nas canções que por lá se ouviram.
A primeira banda a actuar, Angus & Julia Stone, deixou evidente que a folk foi apenas o ponto de partida para explorar outras sonoridades, que no seu caso se mantiveram entre a indie e a dream pop.
A dupla de irmãos australianos foi acompanhada em palco por um baterista e guitarrista num concerto que apresentou temas do seu disco de estreia, “A Book Like This”, editado em finais do ano passado, e deixou boa impressão durante a curta mas esclarecedora meia hora de espectáculo.
A voz de Julia, que domina a maioria das canções, é desde logo um grande trunfo, expondo delicadeza e sensibilidade, qualidades que ao vivo foram complementadas por uma notória entrega e entusiasmo.
Mas o concerto não viveu somente deste empenho e simpatia, já que os temas da banda contagiam por uma escrita suficientemente versátil e subtil, frequentemente assente em ambientes agridoces e numa diversidade instrumental que tanto privilegia a percussão, cordas e teclados como o trompete ou a harmónica.
Associados à humildade e espontaneidade que irradiou do grupo, geraram um muito convincente início de noite e deixaram curiosidade em torno de um projecto que tem passado algo despercebido.
Também recentes e igualmente alvo de escassa atenção, os norte-americanos Young Republic não foram menos apelativos. Amparando-se no seu primeiro disco, “12 Tales From Winter City”, editado este ano, o quinteto viajou por paisagens do Tennessee com o seu cruzamento de alternative country, rock, blues e temperos jazzy.
“Girl in a Tree”, “Modern Plays” ou “Girl From the Northern States” funcionaram enquanto sugestiva carta de apresentação do álbum, e versões de canções de Tom Waits, Bob Dylan ou Outkast atestaram competência e sentido de oportunidade nas covers.
A releitura de “Hey Ya”, o incontornável single de Andre 3000 e Big Boi, foi especialmente conseguida e transformou-se no ponto alto do concerto, e se à partida nem estaria muito próxima do universo do grupo a verdade é que não destoou nada do restante alinhamento e foi o primeiro convite à dança numa noite que até então raramente saiu de um tom introspectivo.
Algures entre uns Spoon com menos rock ou uns Calexico sem a costela mariachi, mas recheados com backing vocals femininas e uma forte presença do violino, os Young Republic ganharam também pelo sentido de humor dos seus elementos, em particular o de Julian, o vocalista principal, tanto pelas suas tentativas de comunicar em francês como nas apresentações que fez a cada canção.
O trio de concertos terminou com o de Dawn Landes, cantautora que ocupou merecidamente a posição de cabeça de cartaz do dia ao presentear o público com um espectáculo bem mais cativante do que o seu já auspicioso disco de estreia, “Fireproof” (de 2006, embora só recentemente tenha ganho maior projecção internacional).
Actuando a solo, só com guitarra, ou acompanhada por um baixista e um baterista, a cantora nova-iorquina demonstrou ao vivo uma faceta abrasiva que raramente desponta no disco (ou nos EPs que o antecederam).
Esta vertente rock acrescentou maior intensidade e arrojo às suas composições, tornando “I Don’t Need no Man” num rodopio de distorção, acrescentando um final explosivo à já delirante q.b. “Picture Show” ou dando nova vida à belíssima “Kids in a Play”, através da percussão mais acentuada.
Nos momenos mais apaziguados e reconhecíveis aproximou-se da folk acolhedora de Laura Veirs ou Lori Carson, narrando retratos adultos de relações humanas em pérolas como “Twilight”, “Dig Me a Hole” ou “Goodnight Lover”, onde bastou o poder de uma voz encantatória e de uma discreta guitarra para criar cenários de antologia.
Entre tantos momentos altos, merecem ainda destaque a versão de “Tous les Garçons et les Filles”, de Françoise Hardy, um dos episódios de maior química com o público, ou uma arrebatadora “I’m in Love With the Night”, cantada a dois com o baixista.
Não menos valiosa foi a sua postura reluzente e afável, vincada por um sentido de humor que não ficou abaixo do de Justin, do concerto anterior, e ajudou a reforçar a atmosfera intimista que se sentiu ao longo de toda a noite.
O disco já seria motivo suficiente, mas com uma actuação assim este é um nome que tem tudo para resultar, também, em palcos portugueses – de preferência em breve.
Angus & Julia Stone
The Young Republic
Dawn Landes
Dawn Landes - "Twilight"