CRIMES E ESCAPADELAS
Geradora de polémica no seu país de origem na altura das sua estreia em 2002, a adaptação mexicana para cinema do livro “O Crime do Padre Amaro” (El Crimen del Padre Amaro), de Eça de Queirós, dividiu opiniões e foi alvo de crítica por parte da Igreja Católica local, ou não apresentasse um olhar desencantado e mordaz sobre alguns dos seus elementos.
Paralelamente a estas críticas, algumas vozes nacionais insurgiram-se contra a falta de fidelidade do filme em relação à visão de Eça, situando os acontecimentos da obra nos dias de hoje e numa sociedade diferente daquela em que o autor se baseou.
Contudo, controvérsia aparte, esta adaptação de Carlos Carrera é uma conseguida e pertinente proposta cinematográfica, e mesmo não sendo totalmente fiel ao livro que a originou não deixa de lançar questões e convidar à reflexão acerca de temas – ainda tão actuais, em Portugal ou no México - como o celibato, o aborto ou a conduta, porventura dúbia, de certos representantes da Igreja.
Embora inicialmente adopte uma postura idealista, Amaro colocar-se-á regularmente em causa, questionando a sua vocação e contrastando os princípios que a orientam com o dia-a-dia desencantado que o rodeia, sobretudo devido às atitudes de alguns dos seus colegas, que acabarão por afectar as suas de forma incontornável.
Gael García Bernal, talento mexicano em ascensão, é fulcral para que o filme resulte, oferecendo um desempenho marcado por uma aura circunspecta e introspectiva, numa interpretação que não fica abaixo de outros dos seus papéis marcantes em “Amor Cão”, “Diários de Che Guevara” ou “Má Educação”. O restante elenco é igualmente credível, marcando pela espontaneidade e contribuindo para a interessante carga realista do filme.
Em termos formais, Carrera não é muito inventivo, uma vez que a realização, apesar de correcta, é bastante convencional, e a espaços ameaça cair na formatação de um telefilme, dada a considerável quantidade de grandes planos e a estrutura linear e pouco inventiva da narrativa (assim como a gestão, nem sempre sólida, do melodrama). No entanto, a realização possui também um curioso despojamento, apostando numa vertente crua e artesanal que acaba por ser apropriada à história que se pretende contar.
“O Crime do Padre Amaro” é assim um filme modesto, algo desequilibrado, mas envolvente e bem trabalhado, que nunca opta pela via fácil que a premissa poderia sugerir, renunciando a cenas exibicionistas e escabrosas e enveredando antes por uma saudável sobriedade. Pode não estar à altura do livro que o inspirou, mas não deixa de ser uma obra meritória.