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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Quando a pop se torna gótica

O seu percurso até aqui já o sugeria, e "Velocifero" vem agora confirmar que os Ladytron são uma das mais consistentes bandas surgidas nesta década.

Afinal, não serão muitas as que possam orgulhar-se de, ao longo de quatro álbuns, delinearem uma identidade própria e facilmente reconhecível, conseguida à custa de uma imaginativa e desafiante recontextualização de honrosas influências.

 

 

Se no princípio muitos associavam o quarteto de Liverpool ao efémero fenómeno electroclash, muito por culpa de temas como "Playgirl" ou "Discotraxx", o grupo soube demarcar-se dessa sonoridade e integrar novos condimentos, em particular as guitarras, que quando associadas às electrónicas já dominadas anteriormente levaram a que "Witching Hour" (2005), o seu terceiro disco, se aproximasse da perfeição.

 

"Velocifero" retoma essa vertente e afasta-se ainda mais dos Ladytron dos primeiros dias, e o que se perde na imediatez das composições ganha-se, e de que maneira, nas camadas que cada uma revela ao longo de várias audições, num disco para ir descobrindo aos poucos.

Mais densas e atmosféricas do que nunca, as canções da banda não deixam de ter uma base pop, ainda que estejam muito bem revestidas por uma nebulosidade gótica que torna este no seu álbum mais invernoso e enigmático.

 

 

Os méritos dividem-se pela certeira produção, a cargo de Alessandro Cortini (colaborador dos Nine Inch Nails) e Vicarious Bliss (coqueluche da editora francesa Ed Banger, uma das mais influentes do momento) e, claro, pela carga inventiva do grupo, tanto a nível instrumental, pela metade masculina - Daniel Hunt e Reuben Wu -, como interpretativo, pela feminina - Helena Marnie e Mira Aroyo.

 

O cruzamento das duas vocalistas volta a ser um dos grandes trunfos do grupo, cada uma optando por pólos emocionais contrastantes e elevando as canções a patamares ainda mais altos.

Confira-se na envolvente presença de Marnie em "Ghosts", onde a sua repetição das frases "There's a ghost in me who wants to say I'm sorry/ Doesn't mean I'm sorry", aliadas a claustrofóbicos ambientes circulares, fazem deste um dos singles mais hipnóticos do ano (que encorajou já estupendas remisturas).

 

 

Aroyo não lhe fica atrás e inquieta em "Black Cat", que dá continuidade à presença de temas cantados no seu búlgaro natal nos discos dos Ladytron. É dos temas mais austeros e arriscados da banda, arrancando com um longo instrumental e dando depois espaço à vocalista, que passa a comandar a inebriante amálgama de sintetizadores e percussão - esta a cargo de Seba, baterista dos franco-chilenos Panico, que juntamente com os colombianos Somekong compõe a lista de colaborações preciosas de "Velocifero".

 

O búlgaro volta a ser o idioma de "Kletva", versão de uma canção de um filme infantil das mesmas origens, um tema mais linear onde Aroyo deixa de lado algum negrume para o recuperar, em modo onírico e e desconcertante, na pulsação etérea de "Deep Blue".

Menos intrigante mas com um encanto irresistível, Marnie brilha em "Tomorrow", uma quase-canção de embalar de tons agridoces, ou no diálogo de "Versus", cantado a meias com Daniel Hunt (na sua primeira incursão como cantor).

 

 

Uns temas antes, acelera no vertiginoso "I'm Not Scared", relembra a synth-pop em "Runaway", mergulha em rodopios industriais no obsessivo "Burning Up" e junta-se a Aroyo em "They Gave You a Heart, They Gave You a Name", talvez a melhor canção do disco, com uma cadência dançável que a torna numa ilustríssima sucessora da já intemporal "Destroy Everything You Touch", a pérola de "Witching Hour".

 

"Velocifero" talvez não esteja à altura desse álbum - mas quantos estão? -, embora assinale mais um seguro passo na até aqui estimulante evolução dos Ladytron. E não é qualquer disco que consegue conjungar tão bem a herança das texturas, ambientes e distorções dos Depeche Mode (fase "Violator"), Curve (por alturas e "Cuckoo" e "Come Clean") ou Nine Inch Nails (em particular "Pretty Hate Machine") que em nada comprometem a criação de uma sonoridade própria, pujante e surpreendente.

Venha o que vier, um dos melhores conjuntos de canções do ano mora aqui.

 

 

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