Entre os jogos de computador e as pistas de dança
São um dos hypes do ano, mas ao contrário de muitos aqui há de facto motivos para a onda de entusiasmo que têm desencadeado. Após a edição de EPs e singles que os tornaram alvo de atenção, com uma forte aliada na internet, os canadianos Crystal Castles confirmam no álbum homónimo as expectativas que algumas das suas canções e remisturas criaram, numa estreia que entra para a lista de melhores propostas da electrónica recente.
Ethan Kath (programações) e Alice Glass (voz) desconstroem e misturam estilhaços de techno, synth pop, noise ou electroclash, mantendo como alicerces uma frequente dose de elementos 8-bit e diluindo as fronteiras entre as pistas de dança e bandas-sonoras de jogo de computador vintage (em grande parte devido ao chip do jogo "Atari" colocado nos teclados).
Daqui resulta um imaginário absorvente, tão lúdico como enigmático, mas outra coisa não seria de esperar de uma dupla que herda o nome da fortaleza dos desenhos animados de She-ra e que entrecruza serenos acessos de nostalgia com uma cortante atitude punk.
Esta reflecte-se sobretudo nos seus intempestivos concertos, descargas tão féericas quanto caóticas onde Glass parece uma candidata a arauto do apocalipse, embora o disco contenha já o rastilho para essas explosões em temas como "Alice Practice" ou "XXZXCUZX Me".
Mas o contrário também acontece, já que noutros momentos os Crystal Castles parecem outra banda, tendo em conta a serenidade que domina episódios como o belo e aconchegante instrumental "Magic Spells" ou o estupendo "Air War", minimalista devaneio 8-bit com uma faceta pop infecciosa e encantadora. Igualmente cativante, "Vanished" é uma versão revista e melhorada de "Sex City", dos Van She, um delicioso momento de electropop melancólica, embora dançável.
Mais alegre e desbragado, "Good Time" são quase três minutos de boa disposição e "Through the Hosiery" mostra aquilo que poderiam ser uns The Go! Team sem a aura solarenga e antes revestidos por uma capa sombria, e onde Glass não fica nada abaixo de Ninja a gritar palavras de ordem (ainda que, como em grande parte das outras faixas, sejam quase imperceptíveis).
Se "Atlantis to Interzone", dos Klaxons, ou "Hunting For Witches", dos Bloc Party, já tinham provado que a dupla de Toronto é uma exímia autora de remisturas, "Crimewave", dos HEALTH, confirma esses créditos. Mais um tema marcado pela forte presença do 8-bit, é um viciante novelo de ritmos e melodias, combinando com equilíbrio imediatismo e estranheza.
"Courtship Dating" recorre também a elementos dessa banda nova-iorquina, no caso do tema "Courtship", ainda que passem quase despercebidos. Talvez o momento onde o sentido de urgência dos Crystal Castles surge mais evidenciado, mostra uma Alice Glass mais assombrada do que nunca e imersa em texturas sinistras e hipnóticas.
Um dos melhores singles do ano, é o ponto alto de um álbum de estreia consistente como poucos, que só peca por conter muito material já conhecido - resgatado de EPs de menor visibilidade - e por nem sempre apresentar um nível qualitativo tão elevado, uma vez que o alinhamento é demasiado longo - mesmo que não tenha nenhuma canção abaixo da média.
Seja como for, alguns dos temas de facto inéditos prometem alargar ainda mais um espectro sonoro já bastante ecléctico. É o caso do que fecha o disco, "Tell Me What to Swallow", onde a dupla despe a electrónica numa discreta canção de aura etérea e crepuscular, próxima de uma dream pop que não está imune a zonas de sombra.
Ao contrário da maioria dos restantes momentos, a voz de Glass abraça aqui uma fragilidade que lhe assenta bem, sugerindo territórios que poderão - e deverão - ser explorados pelos Crystal Castles daqui para a frente. Mas mesmo que não o façam, o mérito de uma óptima estreia é quase inegável.
Crystal Castles - "Vanished"