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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O apocalíptico mundo novo

Imagine-se que as sagas de "Mad Max", "Nova Iorque 1997", "28 Dias Depois", "Aliens", "O Senhor dos Anéis" ou "Resident Evil", entre muitas outras, se uniam num só filme. Se a amálgama pode parecer incompatível, "Doomsday", de Neil Marshall, esforça-se por juntar todos esses universos, mas a mistura de tantas referências acaba por deixar de fora o melhor do realizador, que foi capaz de impressionar na sua obra anterior, "A Descida".

 

Daqui a poucos anos, a Escócia fica isolada do resto do mundo por ser o epicentro da disseminação de um vírus mortal, que rapidamente instala o pânico entre a população e leva a que sejam criados muros quase indestrutíveis e intransponíveis nas suas fronteiras.

A quarentena deixa, contudo, alguns sobreviventes, procurados trinta anos mais tarde por agentes especiais de Londres, que regressam a Glasgow na tentativa de descobrir a cura para uma epidemia semelhante que invade a capital inglesa.

 

 

Este cenário, com maiores ou menores variações, já inspirou inúmeros filmes e volta a ser o motor de "Doomsday", onde o britânico Neil Marshall não só não teme comparações com outros thrillers pós-apocalípticos como tenta gerar aqui um pastiche aglutinador de referências.

Nada contra, até porque da citação assumida podem nascer boas surpresas - como o recente devaneio de Tarantino em "À Prova de Morte" -, e Marshall provou ser um realizador confiável em "A Descida", o seu filme anterior (o primeiro, "Dog Soldiers", não estreou em salas nacionais).

 

Os problemas surgem, no entanto, quando as expectativas deixadas por essa obra - um dos melhores exemplos de terror dos últimos anos - obrigam a que "Doomsday" nunca consiga sair da categoria de filme menor e parcialmente falhado, ainda que cumpra enquanto entretenimento.

Infelizmente não vai além disso, pois se "A Descida" inquietava com um suspense de cortar à faca, revelando um perfeito controlo do espaço (haverá poucos filmes mais sufocantes), o seu sucessor hesita entre a série-b despretensiosa e o filme de acção recheado de explosões exageradíssimas que não destoariam num qualquer blockbuster a la Michal Bay.

 

 

É claro que a obra de Marshall é muito mais auto-consciente e quando aposta na pirotecnia ostensiva não tenta sequer ser levada a sério, mas o realizador perde-se no deslumbramento resultante de um orçamento avultado e serve sequências bem menos divertidas do que deveriam - como as finais, na auto-estrada, sucessivos desafios à credibilidade que desfazem qualquer hipótese de adrenalina.

 

Não deixam de haver boas ideias, como a união improvável entre o imaginário futurista e o medieval, que tanto origina cenários próximos de um videoclip dos Progidy de há dez anos - um dos líderes antagonistas até lembra muito o incendiário Keith Flint - como transfere a acção para territórios algures entre Tolkien e "Braveheart".

Se a sofisticação visual não merece reparos, a opção por uma banda-sonora quase sempre estridente acaba por ser anti-climática, ainda que haja uma oportuna revisitação de canções de Siouxsie and the Banshees, Frankie Goes to Hollywood ou Adam and the Ants.

 

 

A narrativa tanto oferece clichés como surpresas, e esta irregularidade agrava-se quando as personagens não são mais do que carne para canhão - ou para metralhadora, faca, flecha e muitas outras hipóteses de matança que não dispensa um farto tempero gore.

Por isso, não pode esperar-se muito dos actores, já que veteranos como Bob Hoskins e Malcolm McDowell têm pouco para fazer e Rhona Mitra encarna, sem grande carisma, uma protagonista algures entre Snake Plissken (Kurt Russel em "Fuga de Nova Iorque") e Ripley (Sigourney Weaver em "Aliens"), mantendo sempre a mesma expressão enquanto se dedica a acrobacias rebuscadas.

 

Mesmo assim, quem simpatiza com o género não dará o seu tempo por perdido, pois "Doomsday" é uma reciclagem competente, com bons momentos esgrouviados suficientemente memoráveis (os rituais de uma tribo de canibais futuristas, por exemplo) que nunca tornam as suas quase duas horas aborrecidas.

Mas por muito lúdico que seja, acaba por ser mais um filme que se vê com algum agrado e esquece-se com a mesma facilidade, não obrigando a decorar o nome de um realizador que já provou distinguir-se da concorrência. Espera-se que um título como "A Descida" não seja premonitório do rumo da sua filmografia.

 

 

"Doomsday" foi exibido ontem no São Jorge no âmbito da segunda edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa

 

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