De São Paulo (e Londres) para o mundo
Bruno Verner e Eliete Mejorado formaram os Tetine há mais de uma década - o primeiro disco foi editado em 1996 -, mas só agora é que a sua música começa a ser alvo de maiores atenções internacionais, mesmo que a dupla de São Paulo tenha escolhido Londres como base de operações há alguns anos.
O motivo para a maior atenção de que tem sido alvo em diversos palcos europeus ou mesmo americanos estará, provavelmente, relacionado com o protagonismo que outros projectos brasileiros comparáveis têm tido, em particular os Cansei de Ser Sexy e Bonde do Rolê.
Ambos têm, de resto reminiscências dos Tetine no seu som, os primeiros pela electrónica artesanal de travo pós-punk, os segundos pela relação com os modelos mais desbragados do baile funk. Mas também há semelhanças na atitude descomprometida e festiva ou numa filosofia do-it-yourself, onde a limitação de meios acaba por encorajar a criatividade.
Os Tetine são, contudo, mais eclécticos nas atmosferas que percorrem, cruzando essa carga lúdica com frequentes zonas de sombra e frieza emocional, e a criação musical surge integrada num trabalho artístico abrangente que incopora cinema, teatro, vídeo, dança ou artes plásticas - o passado de Verner é essencialmente musical, ligado ao underground paulista, enquanto que Mejorado tem um percurso de actriz e artista visual (e realizou muitos dos videoclips low budget da banda).
"Let Your X's Be Y's", o mais recente disco dos Tetine e o primeiro com edição internacional, surge agora numa fase onde a música é de facto a principal actividade do duo, e oferece um pouco de tudo o que o projecto tem desenvolvido ao longo dos anos.
O que nem sempre é bom, já que a mudança (por vezes abrupta) de géneros de faixa para faixa retira coesão ao álbum e o interesse das canções é bastante desigual, indo do dispensável ao muito bom.
O disco ganharia se encurtasse o alinhamento - quinze temas é demasiado -, mas nao deixa de funcionar enquanto cartão de apresentação para muitos, expondo uma personalidade própria e uma curiosa versatilidade estilística.
Se canções como "Let the X Be X" ou "Everything Must Die" são exemplos de electrónica cerebral, monocórdica e distante, "I Go to the Doctor" ou "Melo Do Carrão" estão nos seus antípodas, sendo devaneios rítmicos primos direitos de um baile funk lúdico e excessivo.
A insistência em letras de sexualidade despudorada tem alguma graça nestes momentos mas em "Eu Tô Aberta" ou "Ai Amor / Me So Horny" o acompanhamento musical é menos estimulante e o resultado mais banal, ainda que Mejorado faça bem o seu papel de ninfeta insistente.
Mesmo assim, os temas recomendáveis superam estes delizes ocasionais e vale a pena ouvir "Let Your X's Be Y's" na íntegra, até porque o melhor foi guardado para o final.
"What a Gift to Get" é um desses pontos altos, com Verner em modo tenso entre sintetizadores hipnóticos em crescendo dançável.
"Russian Roulette" adensa as atmosferas electrónicas num episódio implosivo e contemplativo que faz lembrar os portugueses Micro Audio Waves, e "Mata Hari Voodoo" é uma crónica inquietante de prostituição, showbiz e assassinatos, onde Mejorado tem o momento mais teatral numa daquelas canções que se infitram na pele.
No extremo oposto, a remistura dos Cansei de Ser Sexy para "I Go to the Doctor" fecha o disco com a pulsão saltitante habitual nos temas da banda de Lovefoxxx, numa curiosa fusão do som dos dois projectos.
Embora "Let Your X's Be Y's" seja uma boa surpresa, é em cima de um palco que muitas canções dos Tetine resultam melhor, como foi comprovado na passagem da dupla por Portugal neste Verão, no festival do Sudoeste.
Aí protagonizaram o melhor concerto que (quase) ninguém viu, actuando apenas para poucas dezenas, por isso espera-se que a distribuição mais alargada deste disco permita que o duo seja acolhido por mais espectadores num eventual - e desejável - regresso.
Tetine - "What a Gift to Get"