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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Histórias intimistas num disco esquizofrénico

Uns dos porta-estandartes da revisitação do pós-punk desta década, os Bloc Party tiveram na sua estreia, "Silent Alarm" (2005), um dos discos mais aplaudidos da sua geração, embora essa onda de entusiasmo não se tenha mantido no seu sucessor, "A Weekend in the City" (2007), acolhido de forma algo fria tanto por grande parte da crítica como por muitos seguidores da banda londrina.

 

Teria sido fácil repetir a receita do primeiro álbum, mas o quarteto optou por um segundo registo mais denso e menos directo, sem hinos urbanos imediatos como "Banquet" ou "Helicopter", o que defraudou as expectativas de muitos num disco que se revelou, contudo, mais interessante do que parecia à partida.

 

 

Um ano depois, "Intimacy" traz um terceiro capítulo para o grupo, que mais uma vez não se repete e volta a insistir na imprevisibilidade. Antes deste novo álbum a banda editou "Flux", um óptimo single de vertente mais dançável que pouco tinha a ver com o que se conhecia dos Bloc Party, apostando numa electrónica frenética em detrimento da pujança rock expressa nos trabalhos anteriores.

O tema não faz parte do alinhamento mas antecipou um pouco as suas sonoridades, e ainda que o título sugira territórios mais apaziguados o resultado nem sempre os confirma, uma vez que este é o disco mais esquizofrénico do grupo.

 

O vocalista Kele Okereke já tinha divulgado que este seria um registo com maior carga experimental e que a temática incidiria no fim da sua relação amorosa, e o contraste com os álbuns anteriores é evidente.

Percorrendo o alinhamento, tanto se encontram momentos de descarga rock como de indietronica contemplativa, assim como de pop épica e regressos ao big beat.

As letras, ao contrário do retrato da juventude urbana - e particularmente londrina - de "A Weekend in the City", têm um enfoque mais individual, seguindo como nunca antes as experiências na primeira pessoa de Okereke, o que não é propriamente uma vantagem e por vezes peca por excesso de auto-comiseração.

 

 

Dando continuidade à electrónica de "Flux", "Ares" abre o disco em tons caóticos, com percussões portentosas e a voz de Okerele em desvario, num tema cuja base instrumental é quase um update para os anos 00 de "Setting Sun", dos Chemical Brothers, impondo um início com tanto de apocalíptico como de dançável.

Ainda mais bizarro, o primeiro single "Mercury" aposta numa estrutura que primeiro se estranha mas que, no contexto do álbum, funciona melhor do que isoladamente, disparando um refrão que acaba por viciar aos poucos.

 

Já "Halo" investe em domínios mais familiares, sendo um claro sucessor dos episódios mais abrasivos de "Silent Alarm", e por isso menos surpreendente ainda que seja um bom concentrado de energia cinética - mais convincente do que "Trojan Horse", que percorre territórios próximos com menor eficácia mesmo que deva resultar bem ao vivo.

Estes são, no entanto, os únicos dois casos de auto-citação da banda, a que eventualmente poderá juntar-se "One Month Off", outro tema acelerado com guitarras em ebulição, que todavia aceita contaminações electrónicas não muito distantes da euforia 8-bit de uns Crystal Castles.

 

A electrónica adquire maior protagonismo em canções mais calmas como "Biko", momento dolente com Okereke numa postura contida cujo crescendo subtil origina um belo desenlace, superado pelas mais cristalinas programações de "Signs", o ponto alto de "Intimacy", que relata outra história de perda numa atmosfera comparável às dos Sigur Rós ou Björk (da fase "Vespertine").

 

 

Menos envolvente, "Better Than Heaven" quase podia ser um lado-b dos Depeche Mode dos tempos de "Songs of Faith and Devotion", com voz colada à de Dave Gahan e onde não faltam sequer referências religiosas, e "Zephyrus" é talvez a faixa mais atípica - e a terceira intitulada com o nome de um Deus grego -, cuja carga barroca alicerçada em coros gera um efeito mais estranho do que arrebatador.

 

Felizmente, "Ion Square" centra-se num experimentalismo mais moderado e consistente e confirma que os melhores momentos de "Intimacy" são de facto os mais discretos, vincados por uma electrónica sóbria e aconchegante. É o caso deste tema que fecha o disco com um raro rasgo de esperança após relatos algo pessimistas e nem sempre interessantes, ainda que o balanço acabe por ser positivo.

 

Dificilmente será desta, contudo, que os Bloc Party convencem os que os abandonaram no registo anterior, mas mesmo que ainda se sintam hesitações quanto ao rumo a seguir as tentativas que aqui encetam nunca optam pelo comodismo, estando longe de envergonhar uma estreia como "Silent Alarm" - o que, não sendo muito, torna "Intimacy" superior aos álbuns mais recentes de tantas outras bandas que se estrearam na mesma altura. E isso, por agora, é suficiente para que ainda não se desista deles.

 

 

 

Bloc Party - "Mercury"