Nostalgia com frescura
O nome evoca um filme de fantasia, hoje quase esquecido, mas que terá marcado a infância de muitos através das aventuras de Michelle Pfeiffer, Matthew Broderick e Rutger Hauer na França Medieval, sob o comando de Richard Donner.
Por cá ficou conhecido, a partir de 1985, como "A Mulher-Falcão", ou "Ladyhawke" no original, agora adoptado como pseudónimo da neo-zelandesa Pip Brown, uma das revelações musicais deste ano que vai buscar outras referências à mesma década, bem identificáveis no disco de estreia homónimo.
A cantora de 27 anos apresenta aqui a sua primeira incursão a solo depois de ter integrado os conterrâneos Two Lane Backtop e os australianos Teenager, e essa experiência prévia talvez a tenha ajudado a desenvolver um disco onde se ocupa de quase tudo, já que toca todos os intrumentos e encarrega-se ainda da composição e grafismo.
Apenas a produção ficou entregue a terceiros, um deles Michael di Francesco, dos Van She, outra banda da Modular Records que comprova que a Oceania tem sido fértil na exportação de pop electrónica de boa colheita - como o atestaram também os Cut Copy ou Presets recentemente.
À semelhança desses nomes, Ladyhawke deixa evidente muitas reminiscências dos anos 80 em 12 canções com potencial de single, quase todas peças pop com cerca de três minutos, refrões que rapidamente se decoram e cantarolam e uma luminosidade contagiante que desculpa excessos de nostalgia.
Entre os principais está a colagem, por vezes demasiado vincada, a muitas referências de há 20 anos e algumas mais recentes. Uma balada como "Crazy World" poderia confundir-se com uma composição das Bangles, a mais dinâmica "Manipulating Woman" encosta-se aos B-52's e "My Delirium" passava sem problemas como uma faixa perdida de "Fantastic Playroom", dos New Young Pony Club - estas algumas comparações tentadoras de um álbum que tem ainda ecos das Bananarama, Cyndi Lauper ou Fleetwood Mac.
Tratando-se de um disco de estreia, essa falta de personalidade é compreensível e, felizmente, não impede que o resultado seja ainda dos mais lúdicos e despretensiosos nascidos em 2008, capaz de disparar singles fortes como "Back of the Van" e sobretudo "Paris is Burning", este último criado após uma noite de festa na capital francesa.
O hedonismo transparece, de resto, nas melodias de quase todas as canções, mesmo quando as letras não são das mais optimistas e focam mulheres sem escrúpulos("Manipulating Woman"), desgostos amorosos ("Another Runaway", que Gwen Stefani não desdenharia) ou estrelas decadentes ("Professional Suicide", com sintetizadores a la Gary Numan) em retratos onde a ingenuidade não tem problemas em sobrepor-se à ironia.
As palavras mais memoráveis talvez sejam, contudo, logo as do tema que abre o disco, "Magic", que é também o melhor e arrisca-se a deixar mesmo os mais cépticos a trautear frases como "One journey for you but it's worth it / One life here with me and it's magic". Relato do amor à primeira vista entre uma cantora e um fã durante um concerto, é servido por melodias apropriadamente épicas com um embalo rítmico que agarra logo aos primeiros segundos.
Momentos cativantes como este, além de provarem que a fórmula resultante de teclados, guitarras e sintetizadores ainda funciona (embora se torne redundante noutras canções), ajudam Ladyhawke a ter alguma vantagem na disputa ao título de princesa (electro)pop do momento, uma competição forte onde se destacam Annie, Robyn ou a mais veterana Róisín Murphy.
Por agora, o estatuto de promessa - com algumas conquistas - está suficientemente assegurado.
Ladyhawke - "My Delirium"