Pequenos guerreiros
Hoje em dia, vão sendo cada vez mais raros os filmes capazes de agradar tanto a um público infanto-juvenil como adulto, sobretudo se não forem de animação, e essa é desde logo uma proeza pela qual vale a pena destacar "Filho de Rambow" (Son of Rambow).
A nova obra do britânico Garth Jennings, cuja estreia na realização de longas-metragens foi a algo desapontante "À Boleia Pela Galáxia" (2005), acerta em todos os aspectos onde essa adaptação do livro de Douglas Adams falhou: desta vez o argumento é consistente, os protagonistas tridimensionais e a comédia não atropela a carga dramática, antes se conjuga com esta numa narrativa cujo ritmo deixa as personagens respirarem.
E é, no fundo, de um belo estudo de personagens que se trata esta história ancorada na Inglaterra de inícios dos anos 80, onde duas crianças de um colégio iniciam uma amizade inesperada apesar de serem criadas em contextos muito diferentes - uma orientada por uma mãe cuja religião a faz recusar quaisquer contactos com a televisão ou música, outra pela ausência de limites trazida pelo facto de estar entregue a um desatento irmão mais velho.
Em comum, os dois protagonistas têm a admiração pelas aventuras de Rambo, que mais do que um escape para a solidão com a qual se debatem no dia-a-dia funciona como rastilho para uma onda de imaginação delirante que toma forma no filme que preparam em conjunto.
"Filho de Rambow" é o nome do projecto com o qual pretendem participar num concurso de cinema da BBC, e aos poucos esse filme amador não só vai ganhando cada vez mais adeptos e aumentando a sua popularidade no colégio - sobretudo quando um inenarrável adolescente francês idolatrado colabora como actor -, mas também traz algumas adversidades à relação cúmplice que se desenvolve entre os dois.
Enquanto segue a história dos dois protagonistas, Jennings propõe uma viagem ao imaginário da cultura pop da década de 80, seja pelo papel que o VHS desempenhou na iniciação de muitos ao cinema ou pela adesão ao movimento neo-romântico, aqui com uma cena-chave ao som de "Just Can't Get Enough" dos Depeche Mode (numa banda-sonora que inclui ainda temas de Gary Numan, The Cure ou Siouxsie and the Banshees, a denunciar as origens do realizador no universo dos videoclips).
Por vezes a fazer lembrar "Conta Comigo", de Rob Reiner, ou "Billy Elliot", de Stephen Daldry, "Filho de Rambow" é um dos mais belos, genuínos e sensíveis olhares sobre a infância que o cinema ofecereu ultimamente, conseguindo ser comovente sem optar por um sentimentalismo postiço e também muito divertido mas sempre com um sentido de humor oportuno e subtil.
Ou seja, mesmo não sendo um filme de Natal, é talvez o mais apropriado em cartaz para ver nesta altura, tanto para um público adulto como para espectadores da faixa etária dos (excelentes) protagonistas.