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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Viagem dançável entre luzes e sombras

Formaram-se em 2004 e durante os primeiros quatro anos apenas editaram EPs. Aliadas a uma regular passagem por palcos, as canções aí incluídas tornaram-nas numa das propostas mais promissoras da electrónica experimental norte-americana.

 

"Dance Mother", o disco de estreia das Telepathe, era por isso um dos mais aguardados por muitos melómanos no início de 2009, e dificilmente desilude quem esperava encontrar na dupla feminina um dos projectos estimulantes do momento.

 

Residentes em Brooklyn, Melissa Livaudais e Busy Gangnes constituem uma das várias bandas que tem tornado esse bairro nova-iorquino na sede de muita da pop mais caleidoscópica e imprevisível dos últimos tempos, família que inclui nomes como os Gang Gang Dance, Yeasayer, High Places ou Animal Collective.

 

 

Ou os TV on the Radio, cujo mentor, David Sitek, apadrinhou a dupla desde os primeiros dias e assumiu a produção de "Dance Mother", o que reforçou o hype em torno do álbum, não só pelo trabalho de Sitek com o seu grupo mas pelo seu impacto como produtor de discos dos Foals, Scarlett Johansson ou Yeah Yeah Yeahs.

 

No caso das Telepathe a sua presença volta a ter reflexos, tornando as canções da dupla mais acessíveis e sintéticas, longe de ambientes tão herméticos e sinuosos como os dos EPs. Felizmente, essa carga mais imediata de alguns temas em nada impede que o duo se mantenha desafiante.

Antes pelo contrário, se algumas das composições mais antigas soavam a esboços, o álbum apresenta episódios mais estruturados, capaz de dar forma às ideias que a banda sempre demonstrou ter.

 

 

Diversificado e quase sempre hipnótico, "Dance Mother" é um belo disco de estreia, capaz de aglutinar múltiplas referências num todo coerente, assim como de convidar a audições repetidas para continuar a desvendar um conjunto de canções surpreendentes.

 

Se nos momentos mais espaciais lembram a dream pop dos Cocteau Twins ou dos também recentes School of Seven Bells, nos mais tensos e directos as Telepathe carregam alguma da atitude das conterrâneas Bunny Rabbit ou da fase inicial das Luscious Jackson, e tal como estas não são imunes à influência do hip-hop mais ecléctico.

 

Assente em atmosferas contrastantes, ponto de confluência de teclados, batidas tribais e sintetizadores, o álbum reforça-as com as variações vocais da dupla, que tanto apostam num registo doce, quase infantil, como noutros mais nervosos e urgentes, onde a opção pelo spoken word comanda os acontecimentos.

Os resultados são sempre sedutores ainda que o grau de interesse de "Dance Mother" varie, muito por culpa de um excelente início cujo patamar raramente é atingido após as três primeiras canções.

 

 

Mas não é fácil manter um alinhamento sempre à altura da electropop tão frenética quanto assombrada de "So Fine", da deliciosa estrutura circular de "Chrome's on It" e, sobretudo, da aura inebriante de "Devil's Trident", inexcedível reinvenção do shoegaze que tanto consegue arrepiar como fazer dançar.

 

Depois de um arranque tão inspirado e desconcertante, canções como "In Your Line", "Lights Go Down" ou a demasiado longa "Trilogy: Breath of Life, Crimes and Killings, Threads and Knives" envolvem pela carga enigmática sem um apelo comparável, embora "Dance Mother" volte a tornar-se superlativo com a beleza em estado puro de "I Can't Stand It", o tema mais melódico e etéreo.

 

Se mantivesse o nível invejável das três primeiras canções o disco seria um sério candidato a obra-prima, mas já não é nada pouco as Telepathe apresentarem uma estreia tão segura, inventiva e idiossincrática, que justifica plenamente as atenções que alguns lhes têm dado.

Espera-se que na revisão do que de melhor se fez na música em 2009, sejam ainda mais os que não deixarão a dupla de fora. Pelo menos no primeiro trimestre não há muitos discos que lhe façam sombra.

 

 

 

Telepathe - "So Fine"